Ação de resgate na piscina do clube
Não sou lá muito de entrar em piscina e, quando entro, não saio da parte rasa, onde ficam as crianças e os bocós que nunca aprenderam a nadar.
Mas era grande a propaganda do clube, cheio daquelas falsificações de rusticidade, bar em galpão circular coberto de palha, mesas de roda de carro de bois, chão de terra batida coberto de cavaco. E a piscina.
(Esse negócio de coisa típica nunca me enganou. O dono do lugar economiza grana com projeto mixuruca e cretinos frequentam a falta de conforto e segurança para dizer que dão importância às coisas da terra. Uma espécie de tendência do momento, que não dura mais que boteco de mauricinhos em centro “revitalizado”.)
A piscina era também circular e tinha as laterais forradas com madeira e o fundo coberto com pedrinhas brancas. Parecia mais um tanque, sem parte rasa, e a profundidade recomendava juízo.
A vantagem é que a água era corrente e evitava que neguinho ficasse o tempo todo mergulhado na mesma Echerichia coli. (Ô Sena, é assim que se escreve essa merda?)
Ah, leitor impaciente, já vou colocar mulher na história. Realmente não dá para ficar descrevendo clube de picareta ou pintando natureza-morta em papel de jornal.
Ela era quente, quentíssima. Aliás, mulher fria ou morna naquela terra morreu há muito tempo ou acabou de morrer.
Apesar de virgem – coisa que a gente relevava –, a espevitada baixou no terreiro aqui do mocetão que ainda não deixei de ser. (E aí, tendencioso leitor? Dá muito bem para entender quem era virgem. Só pode ver dubiedade no texto quem é dúbio.)
Como ela – não é que eu duvidasse – se dizia intacta sendo ao mesmo tempo cheia de vontade, nossas relações eram, digamos assim, parassexuais. A película ficava ali, esperando a noite de núpcias. (Com outro, naturalmente, porque comigo a garotinha fazia mesmo era free lance.)
Dona de bela carroceria, ela usava uns shortzinhos reentrantes que me deixavam louco, a girar em torno do mesmo tema. Afinal, se o problema era cabaço...
Bem, como dizia.
Era dia de curtir a ressaca de ano-novo. Dois amigos conspiraram para me dar alegria e apareceram lá em casa com a namoradinha do bonitão aqui e uma amiga.
Hoje, olhando com o olhar frio da distância, penso que aqueles amigos não eram muito chegados a carne feminina. Pois não é que passei o dia inteiro praticamente namorando as duas?
É claro que elas, tão amigas, compartilhavam o que era bom, modéstia à parte. Desculpe: “era” não – é.
Os amigos ficavam só enchendo a lata e fazendo gracinhas inconsequentes, o que levava garota a passar ao largo de nossa mesa. Sim, ia esquecendo de dizer: já estávamos no clube.
Depois de muito Drury’s com sorvete de morango (o uísque foi camuflado na C-14 que eu dirigia), a dupla de prováveis misóginos começou a exagerar nas brincadeiras.
Chegaram ao absurdo de me jogar na piscina – na qual me recusava terminantemente a entrar –, com roupa, óculos, sapatos e documentos. E cigarro aceso.
Foi quando o impossível aconteceu. Nadei, e nadei de causar inveja ao Xuxa (isto é lá nome de macho; me obrigou a usar o artigo, coisa que em minha terra não se usa antes de nome próprio, pois quem tem colhões não é dado a intimidades). Os óculos foram resgatados por um mergulhador entusiasmado.
E a minha dignidade, quem iria resgatar?
Encurralado em mim mesmo pelo riso geral, vi a coisa piorar. A namorada, vindo à tona de fundo mergulho, ao me ver ensopado de cabo a rabo, vilipendiado por aquela turba ignara, aderiu e abriu a boca em borrifante gargalhada.
Com isso, a dentadura postiça que ela usava – ploc! – varou a superfície da piscina e foi ao fundo. A farra foi total. A molecada fez a festa e passou a disputar para ver quem conseguia recolher a peça mordedora, então inofensiva entre calhaus.
A água, agitada por sucessivos mergulhos, ficou para lá de turva. Apesar de todo o entusiasmo, não foi possível encontrar a prótese, que se confundia com as pedras.
O responsável pelo clube sugeriu que voltássemos em dia reservado para a limpeza, quando a busca poderia ser feita com calma.
E aí, debochado leitor? Por causa de uma piscina, a amada passou o feriadão de boca mole, sorrindo à maneira de La Gioconda. Mas não posso dizer que a falta de dentes tenha propriamente prejudicado as nossas relações. Não, não posso dizer.
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 53, 5/4/1998)
Sr Hamilton. Nestes casos que vemos que há males que vêm para o bem.
ResponderExcluirSendo o senhor um amedrontado das águas empossadas, provou que seria um bom nadador caso continuasse a prática do esporte (e não me venha dizer que a idade atrapalhava, pois se nadou melhor que o Xuxa poderia conseguir records mundiais, heehehheeh) e ainda conseguiu manter o românce mesmo sabendo da "boca mole" que arrumara.
Parabéns!!!!!!!!!!!!
Magaiver.
Fico imaginando o sorriso da amada...
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