quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A crônica foi publicada em jornal realmente na data que consta ao pé do texto, mas a questão da dupla (ou tripla) personalidade é atualíssima...


Esse nome, esse outro nome

Mocinha do meu pedaço me contava, dia destes, as atribulações de amigo dela por causa do nome. Ele tinha nome de mulher.
Ela, por ter supostamente nome de homem, não padece tanto, mas se diz de personalidade dupla. Uma das “personalidades” tem apelido manhoso e é da pesada: bebe, fuma, bota chifre arregaçadamente e está sempre disponível para coisas inimagináveis.
Afirma que papai-com-mamãe é bom, mas pratica com afinco, generosamente, o que ela chama de mamãe-com-todos-em-todas-as-posições-e-modalidades, esporte que não deve ser saudável, ainda mais considerando que ela não é muito chegada a banho.
Quando essa topa-tudo, com dinheiro ou sem dinheiro, se encontra entre pessoas que a conhecem pelo nome que lhe deram os pais, a outra personalidade assume o comando, mas com suavidade e equilíbrio. É pura, fiel, honesta, sem vício. E demora-se no banho.
Comportadíssima na cama, não submete o companheiro – primeiro e único – a cansativos exercícios sexuais, malabarismos inúteis que mulher séria não deve aceitar. É digna e detesta hipocrisia.
Mas não é disso que se trata. A questão é sobre o nome que certos pais, com mania de originalidade, dão aos filhos. Isso quando não querem prestar homenagem ou assinalar data.
Matutão, cheio de empáfia, taca lá um nome “diferente” no neném. O neném cresce e se torna bela e culta mulher que se chama Bucetildes.
Nesse caso, não é de lamentar. Nome é apenas convenção, e não há convenção que possa derrubar um monumento desses. Sem falar que a referência traz certas vibrações...
Há nomes, no entanto, que jogam mais para o lúgubre. Imagine, leitor escalafobético porém nada gótico, o que nos lembram gêmeas nascidas no Dia de Finados levando nas costas a homenagem que os pais queriam prestar: Afinadina e Adefuntina.
Não é nada fácil viver neste mundo cruel.
Sei que isso é truísmo, mas suponhamos que Putêncio queira mudar de nome – e não quer, pois tem orgulho dele. Se quisesse, a Justiça jogaria em cima do coitado todo um instrumental jurídico. Por mais puto que ficasse, ele continuaria Putêncio.
Você se lembra, leitor de revistas do “meio artístico”, do que padeceu Roberta Close? Claro que sim. Depois que cirurgião lhe virou o pacote pelo avesso (o da Close), ela enfrentou obstáculos burocráticos, preconceitos redobrados, o diabo.
Ah, sociedade cruel. Veja bem. Em repartição pública, o funcionário mirradinho ergue os olhos e vê diante dele um mulheraço. Solícito, quase se derramando pelo balcão, o sujeitinho nem olha para os documentos da figura e pede que ela assine sobre a linha assinalada com xis.
No papel vai surgindo, devagar, relutantemente: Be... ne... di... to... Depois, rapidamente: Pinto dos Santos.
O funcionário, refeito do susto, e após dar uma sossegada nos hormônios, debocha, como se a personagem, horas na fila, tivesse acabado de chegar: “Oi, Ditão!”
Mundo cruel.
A mocinha do meu pedaço, com conhecimento de causa, me contava, dias atrás, os padecimentos do macho que tinha nome de mulher. Não era um problema de quem mudou de sexo, nada disso. Ele só queria um substantivo compatível com a aparência viril.
Argumentou com “autoridades”, abriu as cortinas de sua vida, argumentou mais, apresentou fórmulas, sugestões e jeitinhos, e nada. Nada. Tinha que carregar aquela denominação pelo resto da vida.
“O que que custa?”, perguntou aos céus e às “autoridades” inarredáveis. “O que que vai custar ao Tesouro a troca de uma letrinha?” Ele se referia à desinência. Por exemplo, se se chamasse Anastácia, bastaria substituir o último á, colocando em seu lugar um ó.
Vendo que se achava diante de um mundo de irredutibilidades, resolveu radicalizar. Já que a burocracia não se movia, ele se moveria. Isto quem conta é minha amiga, aquela do pedaço.
Ele proclamou: “Ser radical é cortar o mal pela raiz.” Não foi lá muito original, mas foi consequente: mudou de sexo.
A amiguinha garante que ele era muito macho, e garante com conhecimento de causa. Aliás, ela sempre quer conhecer tudo, de causas a efeitos, e diz que pretende fazer uma “experiência homossexual”. Com a “nova” amiga.
Um homem atormentado foi ao encontro da harmonia. Ele... ela tem nome de mulher.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 54, 12/4/1998)

Nenhum comentário:

Postar um comentário