sexta-feira, 12 de outubro de 2012

As eleições tiraram o autor do “foco” – para usar, aqui, palavra da moda



Na esquina seguinte

Ao meter a cara feia no estirão de dois quilômetros de avenida que leva à urna em que consigno o voto de cidadão efêmero, sucedeu o de sempre desde que, há anos, eu vira a estupenda morena na esquina seguinte.
Ah, falando em eleição: nesta campanha, como em outras, candidatos imploravam ao eleitor, à exaustão, “um voto de confiança” – expressão que se aplica bem a certos elementos tortos. Ora, voto de confiança só se reserva a calhorda, a quem cometeu safadeza e suplica, na maior cara de pau, mais uma oportunidade.
A bronzeadíssima garota estava nua.
Asseguro, correto leitor, que eu havia decidido não tocar neste assunto. A cada ano eleitoral, tenho resistido a ele por uma questão de pudor. Sim: pudor. Não há por que estranhar que tal sentimento se aloje em mim. (É bem verdade que até minha mãe duvidaria disso.)
A crônica em mente tinha já o comecinho: “O próspero negócio durou menos de uma semana.” É provável que eu haja ficado com medo das dificuldades que o texto apresentaria, pois detesto conversa que inclua morte.
Não, leitor azucrinante, não tenho o menor escrúpulo em falar de nudez, ou mesmo em exibi-la – o que talvez venha desde o porre dos 10 anos de idade, durante festa junina, quando minha mãe me tirou toda a roupa e me deixou lá, no quarto apinhado de gente, a gritar o nome da amada com o pauzinho em dolorido estado de ereção. Mas você já conhece a história.
Sempre transitei pelado, sem nenhum problema, da cama ao banheiro, ainda que aconteça de ele ficar na parte externa da casa, como em Imperatriz, cidade deliciosamente despudorada e de muito calor do Estado do Maranhão.
Bem. Naquele tempo foi um tanto diferente, já que a apreciadora do langoroso desfilar não era eventual amada, e sim a cozinheira contratada por meu pai, com quem eu trabalhava na Arrozeira Vale do Tocantins, longe da mãe e dos irmãos.
Melenas cacheadas ombros abaixo (nunca penteadas ou escovadas, porque impossível fazê-lo), lá ia eu, peladão, a cruzar a cozinha rumo ao banheiro, e de lá voltando, molhado e ainda peladão, a sacudir a majestosa cabeleira. E a rola, claro.
Neste ponto, o leitor e eu precisamos de um entendimento.
Sim, a mulher ficava chocada, virava-se para o fogão, tensa. No começo. Depois, soltava estrondosa gargalhada. Com a rotina estabelecida, passou a me receber com, digamos assim, certo deleite. Às vezes ela me detinha para que provasse a pontinha de algum petisco que preparara. Não se espantava nem mesmo quando eu aparecia a transportar, briosamente, a chamada ereção matinal, popularmente conhecida como tesão de mijo.
Completamente nu estava o belíssimo corpo da morena que andava com suprema elegância em sentido contrário ao que eu fazia depois de votar. Isso foi na última esquina antes de atingir a que dá início ao retão por onde encetara a caminhada para a urna. Havia uma espécie de corredor polonês formado por cabos eleitorais coloridos com bandeiras coloridas, acima do chão juncado de folhetos.
A pele bronzeada daquela deusa (e só poderia ser a deusa dos loucos e dos inocentes, a ostentar tanta e sublime formosura), a pele bronzeada trazia a marca do biquíni e um pedacito triangular com nigérrimos pelos. Os lábios da moça distendiam-se em inefável sorriso que, por certo, não era para mim.
Entende agora, cético e malicioso leitor, o porquê do meu insuspeitado pudor? Não, não entende, nunca entenderá. Da mesma forma que jamais saberá o que indivíduos como eu são capazes de encontrar na próxima esquina.

Hamilton Carvalho