quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Não se sabe se foi Oscar Wilde ou Hamiltão quem declarou: “É pelos detalhes que se conhece o caráter.” Mas a questão não é bem esta...


O condenado

Uma coleguinha aqui do jornal veio perguntar por que eu ficara com raiva do mais velho de meus irmãos. “Ora, só porque ele disse pra sua mãe que você ia arrombar a mocinha?” É pouco? Esse povo...
A mocinha em questão era Norma, a Olhos Verdes. Acontece que o irmão aterrorizou nossa mãe com gesto de grande obscenidade, muito grande.
Com as mãos estendidas e abertas, palma contra palma a considerável distância, ele ficava a repetir: “Ó, mamãe (ele era dos poucos que chamavam mãe de mamãe), ó, mamãe; se deixar, ele vai arrombar a menina.” O “ó” queria dizer “olha”.
Aliás, não tenho que ficar a dar satisfações a leitor nenhum. Houve mesmo leitor que me colocou literalmente contra a parede para que eu antecipasse o desfecho de uma historinha babaca.
Foi em festinha de arromba, quando um esgotado redator só queria mesmo era depredar o cérebro. O moço achava que eu não tinha o direito de ficar “enrolando” (quer dizer, enrolando a história).
Mas aquilo foi bom. Eu, que estava com bloqueio e não sabia o que escrever na próxima crônica, tive que bolar alguma coisa na hora. Aproveitei esse “material” improvisado para me desincumbir da árdua tarefa que me delegaram.
Ah, se todos fossem iguais a ele, um leitor fiel e inteligente... Ontem mesmo encontrei leitorzinho de-vez-em-quando, já para lá de encanjebrinado, que tentou botar o meu moral na esteira do trator. “Você tem talento para escrever coisa melhor.”
Coitado de mim. Pensei que estivesse “botando” o “talento” todo nesta coisa semanal. “Você tem talento para escrever coisa melhor...”
Também existe gente que diz que sou imoral, eu, que não sei pronunciar sequer um palavrão.
Alguém me informou que um grupo de advogados, num clube, a apreciar – com todo o direito – a bunda exposta das garotas à beira da piscina, prolatou sentença contra este pobre que só vê região glútea coberta. Com exceção da própria, claro – assim mesmo quando ela se reflete no lago de Narciso, quer dizer, na água do vaso sanitário.
Os apreciadores de ninfeta diziam estar preocupados com as crianças que, talvez interessadíssimas em saber o número de mortos no terremoto da Índia, poderiam folhear este jornal.
Mas há o outro lado. Conheço pelo menos duas respeitáveis damas que fazem parte de minha defesa.
Uma delas foi ao ponto de afirmar que, mesmo escrevendo sobre meleca e prexeca, eu o faço com elegância. Meu ego, mais inflado que barriga de juiz aposentado, agradece.
Há, ainda, minhas filhas, minhas próprias filhas. Uma delas chegou a coligir parte das execrandas crônicas para publicação em livro. (Enquanto advogados prolatam, eu protelo.)
Como vivia a repetir antigo revolucionário: a questão está na forma, não no conteúdo. O segredo é xingar sujeitinho de filho da puta fazendo-o sentir-se entronizado na cadeira do meio. (Ah, o juiz sentado ao lado do promotorzinho de cabeça rapada à Ronaldinho, ah, meritíssimo...) [A moda em referência é a da cabeça do jogador de futebol hoje Ronaldo.]
Afinal, qual seria a norma? Ah, Norma, eu falava de Norma. Gostosa dum tanto...
Eu parolava no quarto de minhas irmãs quando ela entrou, já intimazinha da casa. O zé-da-garoa, que estivera a dormitar na cuequinha samba-canção, deu violenta estremunhada.
Sentado numa cama, quedei-me mudo enquanto as garotas conversavam tibiamente. As irmãs, uma a uma, como se estivessem de acordo, foram deixando o quarto, que continuou com a porta aberta.
A cena, leitor de textos eróticos, me lembra uma que ocorreria anos depois, com Maria O.
Norminha, na mesma cama que eu, a quatro palmos, pousava ternamente o olhar em mim, soltava um risinho nervoso, revirava os olhos, suspirava. Eu botava os pupilões naquele rostinho, tossia um riso imbecil, desviava o carão, gemia.
Assim, o clima estava a se formar. Era preciso ser macho e arrastar a bunda pelo menos dois palmos para o lado da garota. Mas, sinceramente, não sei se teria coragem para fazê-lo.
Eu a tinha moça feita, com seus 17 anos. Era difícil acreditar que ela daria bola para um pirralho de 13 ou 14 anos, anêmico, asmático, trombudo. Trombudo não no sentido insinuado pelo mais velho de meus irmãos, juro, leitora, juro.
Sim, o irmão entrou no quarto. Ficou sentado ao outro lado de Norma até que mãe, que botava fé no namoro, apareceu na sala de jantar e de lá fez psiu para ele, chamando-o com enérgico indicador.
Dali, teso na cama, com a menina a me olhar, vi o desgramado fazer o grande gesto obsceno. Tadinha de mãinha.
Perdi a oportunidade não de “arrombar” Norma, mas pelo menos de dar umas bicotinhas nela.
Injunções da vida nos afastaram. Tempos depois eu a encontrei em estreita rua do centro da cidade, como anos mais tarde encontraria Maria O. na Rua Barão do Rio Branco, em Anápolis.
Agora, amigo, será que tenho de viver a dar explicações a coleguinhas, a advogados, a leitores impacientes? Ora, que decretem o meu Justizmord.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 183, 11/2/2001)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A primeira caneta em cenário de peça teatral. E a impressão de que João empatava mesmo era o autor de terminar um assunto


Norma

O rádio, a um canto da sala de jantar, começava a vibrar com um dos sucessos do momento: “Festa de arromba”, de Erasmo Carlos.
À mesa, eu ensaiava letra miúda com a caneta-tinteiro que minha mãe me dera no aniversário. Não era nenhuma Parker, mas era sonho.
Seria talvez um consolo, pois já desde muito criança eu não sabia o que era ser presenteado, e mãe, de repente – sem eu ter pedido ou sequer insinuado –, me chega com aquela reluzente Pilot marrom. Coisa para adulto.
Consolo? Por quê? Parece que estou aqui a querer enganar o leitor, como se mãe tivesse ficado com peninha de mim por causa de Norma, e deu presentinho para me dengar. Oh, dó.
A tarde caía. Com cuidado, pousei a caneta sobre o papel. Senti leve arrepio. Esfreguei as mãos e as prendi, com força, entre as coxas. Norma...
Ela passou a frequentar nossa casa com o pretexto de ser amiga de minhas irmãs. Talvez, para ela, a coisa fosse fácil para mim, mas não poderia ser.
Aquela turbulenta família de dez pessoas não era de dar trégua a nenhum de seus membros. Tudo ali era público e devassável. E eu, caríssimo leitor, não sei por que razão, tinha que ser o mais visado de todos. Não sei por quê.
Voltara a estudar, depois de ter vivido a minha Idade Média em São Paulo.
Pela escola, tive que deixar o emprego na Casa Santo Antônio, onde Norma fez a grande descoberta, quer dizer, conheceu o parvo garotão de cabelos gomalinados e mechinha curva sobre a testa de melão.
Ah, se não fosse o João... Na verdade, ele apenas teria retardado. O empata-foda, de fato, foi o mais velho de meus irmãos. É certo que João, meu chefe na Casa Santo Antônio, tinha suas esquisitices, como o leitor soube de texto anterior. Mais um exemplo?
Uma vez João, dono de noiva em Santo Antônio de Jesus – lá no fim do mundo –, queria comer discreta dama ali das redondezas da mercearia.
Antes, porém. O moço era meio rechonchudo, rosto largo com marcas de espinhas, meia papada, pele muito branca. Dormindo, roncava (o leitor sabe como fiquei sabendo disso). Roncava e peidava, feito porco na engorda.
Tinha a mania de puxar o catarro da esquina do fundo do nariz e o engolir, como se fosse ostra temperada com limão. O estranho é que a sugada vinha quando o rapaz estava satisfeito com alguma coisa.
(Este espaço de crônica teve um belo ilustrador que, a cada dez minutos, fazia como João. Só que a puxada era mais poderosa: a sólida redação da Gazeta tremia toda.)
O caixeiro-chefe da Casa Santo Antônio pretendia, pois, acochambrar a dama discretíssima que, vez ou outra, fazia comprinha na venda. Pretendia – e o conseguiu. Fiquei surpreso com a proeza de João, principalmente porque nem ele nem ela deixaram transparecer qualquer coisa.
Aqui, baixinho entre nós, leitor fuxiquento: desconfio de que ela era casada, casada talvez com algum motorista de caminhão de longas jornadas. Um macho pra chuchu. Penso que João me fez acompanhá-lo à casa da mulher para garantir a barra.
Afinal, ele era chefe abusado. Até pau de cabeleira... eu. Pior: auxiliar de foda, guarda-trepada, sentinela de coito, vigia de metida.
Ironia, ô ironia. E eu, querendo desmoralizar João como empata-foda... Aliás, o moço era um empata muito do interesseiro. Norma, gostosissiminha, fora feita para ser cozida a fogo brando.
Bem. Como dizia, acompanhei João à casa da mulher. Fomos recebidos a meia porta e a meia voz.
Ela apontou para o sofá, eu me sentei. Ela pegou a mão do colega, e o levou para o quarto, cuja porta ficava bem em frente de meus tensos e macérrimos joelhos. Tudo muito quietamente.
A luz da sala miudinha era fraca, o chão bem encerado, quase não havia móveis. A casa não tinha forro, e as paredes, azuis, nuas e limpas, não chegavam até as telhas, deixando um vão, no centro, de cerca de metro e meio.
Por aquele vão é que me chegavam os gemidos, os ofegos de João, o ranger, o protesto das molas da cama. [O lugar-comum de molas que rangem em protesto é, no caso, aceitável; “mais que aceitável”, enfatiza o autor.]
De repente, vigorosa puxada de catarro e um longo huuummm... O homem estava satisfeito.
Com a caneta-tinteiro que mãe me dera de presente caprichei na perna do ene, enquanto se ouviam os últimos acordes da música de Erasmo Carlos. Levantei, desliguei o rádio e caminhei na direção da porta que dava para a rua.
No que eu fazia tudo isso, a cabeça trabalhava, reformulava: não, João não foi tão cruel quanto o mais velho de meus irmãos. Meu irmão fez algo imperdoável.
Por que ele foi fazer aquilo? Por que disse para mãe que, se me deixassem por conta, eu iria “arrombar” a Norma? Por quê?
Abri a porta. Sonoitinha. Esfriava. Alonguei os olhos tristes até a esquina, como se esperasse que a qualquer momento fosse surdir, ágil e bela, a figura de Norma. Esfriava.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº  182, 4/2/2001)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

À mercê de diagramadores do jornal, o autor roça perigosamente o folhetinesco


João, o empata

A acusação existe, a de que sou um “escritor” cheio de embroma. (Hoje estou bom de deverbal; a começar pelo título.) A acusação pode até fazer sentido, já que tenho o compromisso de encher 80 linhas sem ter o que dizer.
No entanto, penso (pouquinha coisa, mas penso) que o leitor sem preguiça deveria relevar este estilo gauche e arrevesado. Afinal, não sou diplomado em letras.
Ah, por falar em letras: acabo de receber a notícia de que Elzinha, a filhona mais velha deste contrabandeado cronista, passou no vestibular. Curso de letras. (Espero, sinceramente, que ela se torne boa advogada e consiga um cargo público. Pelo menos um.)
Olha aí, leitor de área de risco, olha aí o descarrilamento. Voltemos aos trilhos.
Bem, a acusação... A minha intenção era, na verdade, terminar com a porcaria de assunto sobre Maria O. Acontece que Norma entrou na história e, depois dela, João roubou a cena.
Será, mesmo, que a acusação procede? As personagens é que me arrastam pelos trilhos pesados das palavras. Falemos, pois, de João. Sem delonga.
Ele era o caixeiro-chefe da Casa Santo Antônio (o mareado leitor ficou sabendo disso pela crônica da semana passada). Eu, o caixeiro chefiado.
O dono da venda – onde havia desde panela de alumínio e xampu de ovo até açúcar, pão, maria-mole (o doce), banana, brilhantina, cocada, cachaça, grampos Mise-en-Plis... –, o dono era seu Antônio, que, como tantos outros Antônios, viera de Santo Antônio de Jesus para se instalar no comércio.
Aliás, quando se via neguinho branquelo por trás de balcão não poderia haver dúvida: mais um de Santo Antônio de Jesus. Quase todos parentes. João era primo de seu Antônio, que era primo de outros donos de venda distribuídos pela cidade.
Seu Antônio ficou rico, comprou Kombi. João, que já era uma espécie de sócio da mercearia, queria ficar rico, comprar Kombi, ir a Santo Antônio de Jesus para se casar, retornar à terra da promissão com a mulher, instalar-se no comércio e, depois, mandar vir primo para ser o caixeiro de confiança.
João me foi empata-foda. (Que o leitor não se espante: estou apenas voltando ao assunto.)
Eu era apenas um balconista tímido, envergonhado de estar à luz do dia. Mesmo assim caprichava na brilhantina e na mecha sobre a testa.
Quando Norma aparecia para comprar língua de sogra (o biscoito) ou cocadinha, eu franzia o cenho como se quisesse espantar o bem e o mal. Era louco por ela. Mas, ao fazer escorregar a medo meus olhos mortos sobre aqueles olhos verdes, não tinha a menor esperança.
Ao sair, a mocinha chamava o João com um sinal, e iam conversar lá fora, aos cochichos. Não, não havia a menor esperança. João voltava e dizia, mais inchado que cururu cutucado: “Ela tá doidinha por mim.”
Não, não sei o que eu sentia ao ver aqueles dentes largos no sorriso largo. “Doida por mim...”
Comecei a desconfiar de que João era empata quando, num domingo, fomos ela, uma amiga dela, o chefe e eu pegar missa na igreja do Seminário. Lembro-me muito bem da ida. A garota estava gárrula, saltitante. Vezinha ou outra, dava um esbarrãozinho em mim.
Da volta não sei de nada, pois procurava reviver na memória momentos que poderiam significar. Cada palavra, cada cocada... Um brilho mais brilhante no verde dos olhos...
Desconfiei que João, feito confidente de Norma, estava a traí-la miseravelmente – e a mim também. O desgramado.
A certeza só viria mesmo depois que aquela menina de grandes olhos e carnuda boca fez amizade com minhas irmãs e ganhou minha mãe com bela simpatia.
A esta altura me bate uma dúvida. Será que não foi injustiça de minha parte afirmar com tanta ênfase, na crônica anterior, que João era “crudelíssimo” empata-foda?
Perto do que me fez depois o mais velho de meus irmãos, ainda com relação a Norma, ele não passaria de um empatazinho. Mas isso, mesmo que me acusem de embromador, vai ficar para outra vez. Enfim, são tantas coisas para tão poucas linhas...

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 181, 28/1/2001)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Eis surge a expressão “vida cambaia”...


Maria O.

Assim que me mudei com a família para a Vila Góis, em Anápolis, teve início mais uma fase de paixão juvenil em minha sensaborona vida. Maria O. me bateu o pé na soleira do coração.
Eu, o imbecil, em vez de arreganhar para ela ambos os ventrículos, queria era estar apaixonado pela professora de inglês. Queria porque queria. Deu no que deu.
Não apareceu nenhuma pessoa de bom senso para me chamar a atenção: “Olha, lorpa, olha o pedaço de pé-de-rabo que é todo teu, é só querer.”
Eu queria era querer a chuladinha professora de inglês. Ah, insensatez. E ninguém para me chamar à realidade.
Aliás, a própria Maria O., em tarde amena, sentadinha ao meu lado na mureta da varanda lá de casa, me fez algo tal uma censura. Pousou nesta pálida cara os olhos nigérrimos, aquosos, e murmurou, a trêmulo: “Pensei que um homem saberia quando uma mulher quer namorar com ele.”
Ah, mocinha toda mulher... Confesso que não fui homem suficiente para encarar tanta beleza, tanta gostosura, tanto tamanho de mulher.
Ora, leitor abismado, se ninguém de minha família acreditava, como poderia eu, o misérrimo, acreditar?
Já cheguei a ser assim, leitor. Já tive isso de antecipar o que pensariam os outros e, em certo sentido (ou, vá lá, no sentido exato), me castrar. Na verdade, nunca dei nada por mim.
Mas não vou tomar tempo de algum perdido leitor psicologizando esta coisa que sou.
Pensando bem, eu namorava Maria O. e não sabia. Com este meu jeito sonso, dissimulado. Às escondidas de mim mesmo.
Ora, pois. Estou aqui, sem querer, a embromar o leitor, já a escrever o fim melancólico do meu romance.
Só faltava dizer que, tempos depois, encontrei Maria O. em uma daquelas estreitas ruas do centro da cidade, e ela me tratou com altanaria, mas também com muita finura, muita gentileza – e senti, então, as amarras do meu barquinho se romperem.
Naquele dia, depois de, tartamudo, me despedir da menina, lembrei-me de outra rua estreita em outro centro de cidade e... de Norma.
Leitor, vivo a reeditar esta vida cambaia.
Norma foi outra de minhas loucas ereções. Por ela, não só uivei para a lua, repetidas vezes, como também para o chuveiro.
Aliás, na casa em que eu morava não havia chuveiro. Todos tomavam banho em uma bacia de zinco colocada no centro da cozinha.
Bem, se não poderia uivar para chuveiro, pelo menos o fazia para conhecidíssima aranha no teto da apertada privada que ficava no fundo do quintal. Lá deixava, cotidianamente, diáfana e patética gotinha.
Eu doía de paixão.
No entanto existia, para que o mundo não fosse perfeito, um empata-foda, um crudelíssimo empata-foda.
Era o João. Fazendo as vezes de meu chefe na Casa Santo Antônio, o infeliz abusava das prerrogativas.
Talvez eu caia no exagero, mas o rapaz fazia algumas coisas meio deslocadas de eixo. Por exemplo: houve mais de um domingo, meu diazinho de folga, em que o carola me fizera ir com ele à igreja do Seminário para pegar missa.
Sem nem falar da vez em que, atacado de súbito e inexplicável medo, me obrigou a dormir com ele no quarto que ficava na parte de trás da mercearia.
Ao ver aquela cama de casal (o caixeiro-chefe era solteiro), senti-me uma infame putinha. Durante toda a noite, não preguei sequer uma banda de olho.
Além do terror esfinctal, eu estava gripado e tentando administrar uma crise de asma.
Ali, no escuro, no calor... Meu deus. O brilho das brasas... as muriçocas. Já que existiam brasas, não deveriam existir muriçocas, ora.
Apesar de minha alergia, o desgraçado do João acendera umas quatro espirais daquelas ironicamente chamadas de Boa Noite, espalhando-as pelo quarto.
Ah, sim, leitor, ah, sim. Eu falava de Norma. Quer dizer, falava mesmo era de Maria O., a monumental garota da Vila Góis, em Anápolis.
Maria O., assim como antes o fizera Norma... Oh, leitor, estou saturado. Vamos tentar desembrulhar esta merda em outra ocasião. Vamos?

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 180, 21/1/2001)