terça-feira, 1 de novembro de 2011

Antes enjeitado pelo autor, o texto agora entra aqui feito o filho pródigo...


Ensaio sobre a solidão

Coleguinha chegou para dizer que este espaço está sendo usado para tratar de assuntos fúteis, levianos.
Tal declaração não procede. Tanto é verdade que, mantendo a linha de seriedade adotada aqui desde a primeira crônica, abordarei tema de crucial relevância: a solidão.
Existe quem tenha vocação para a coisa. Portanto, solidão praticamente não significa nada.
Mas vejamos. Sujeito de sucesso, mulher boa e filhos inteligentíssimos perde de repente o emprego. Os numerosos amigos são os primeiros a desaparecer. Em seguida cai fora a mulher com os filhos.
Depois de algum tempo em completo abandono, o infeliz está deitado no imundo catre, refletindo. O vento uiva no quintal, e ele se lembra de que o cachorro morreu, o gato desapareceu e até os cobradores sumiram.
Por pouco o solitário também não se desintegra, ruminando todas as dores do mundo.
Esse não é bem o caso de um amigo que possuía algum dinheiro amoitado em caderneta de poupança. Ele me diz que, quando percebeu que já não valia nada para ninguém, que se tornara um zero do tamanho da Praça Cívica, partiu para o desregramento.
“Em duas semanas”, lembra o calhorda, “comi uma zona inteira e descontei vinte anos de fidelidade conjugal.” Assegura que somente numa noite traçou todas as chulapas de um bordel.
Triste mesmo é o caso do solitário que escreve para seção de cartas de revistinha de sacanagem ou classificados de jornal para se oferecer. Informa contar com situação financeira estável, que tem onde “receber”, que é discreto, saudável, sem vício.
É comum o sujeito acrescentar que é ativo e/ou passivo, que aceita casais, que é bem-dotado.
Aliás, esse negócio de boa dotação é tão relativo que me faz lembrar de episódio protagonizado por outro amigo.
Diz ele que, quando armou a barraca, ou melhor, o circo, a dama ficou maravilhada, e mais ainda quando ele tirou a lona para transportar o picadeiro.
A baixinha tentava apenas lisonjear. Tanto é verdade que ele, quando caiu em cima e foi lá, não achou nada. Por isso, no momento em que ela deu um gritinho e disse que doía, o suposto pé de mesa perguntou, com sinceridade: “O que é que tá doendo, mulher?”
Há pessoas que vivem em tão pungente solidão que recorrem a anúncios de prostitutas (ou prostitutos) em respeitáveis jornais. E ali se encontra de tudo para todos os gostos sexuais.
Existem anúncios oferecendo “dominadores do prazer”, mulheres em dupla para mulheres sós e/ou casais e aquelas que se dizem casadas “de verdade”, bonitas, ousadas, carinhosas e “completas”.
Como se não bastasse tanta plenitude, a maioria delas coloca “apetrechos” à disposição dos interessados. Uma “loirinha insaciável sem limites” garante que está sempre pronta para dar e receber.
E aí, leitor solitário? Vai topar? Que tal dar uma conferida na Barbará Travesty, “feminina e discreta”?
Barbará assegura que mostrará do que é capaz “se você é uma pessoa exigente e gosta de algo muito especial”. E, para soltar seus freios, o traveca vai na base da indução: se “curioso”...
Assim, depois você poderá alegar, para si e para quem ficar sabendo, que foi movido apenas pela curiosidade. Ninguém tem o direito de zombar do espírito aventureiro que leva alguém a buscar “loucas aventuras”. No caso de Barbará, talvez nem precise de apetrecho.
Sei, leitor céptico, que você está lá a pensar: “Pô, isso não é coisa de solitário, é sem-vergonhice mesmo.”
Mas não acha que sujeitinhos que gostam de uma boa sacanagenzinha podem viver mais que nós, homens atormentados e tolhidos pelo doce passado?
Não seria melhor procurar Ana Kelly, que oferece um “bumbum avantajado”, ou Andreia, que promete realizar todas as fantasias, do que meter uma bala na cabeça?
É claro que aquelas fotos que vêm com anúncios poderiam fazê-lo hesitar. Você vê cada pé de rabo, mas o vê há tanto tempo, na mesma foto, que farta peça anatômica pareceria hoje, ao vivo, uma jaca atrofiada.
Leitor puritano, perdoe ao solitário promíscuo. Afinal, ninguém pode atirar a primeira pedra sem ter que, em seguida, atirar toda uma pedreira.
Este não é tema de menor importância. Só espero que o coleguinha não volte para insinuar que almejo alguma espécie de jabaculê.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 58, 10/5/1998)