terça-feira, 6 de setembro de 2011

O leitor há de convir: bom-mocismo não combina com Hamiltão...


No foco

Ao inicializar a crônica hesito muito. Inicializar? Meu deus, o que os informáticos fazem com esta cabeça nordestina, que entra com tanta dificuldade em capacete de mototáxi?  Bem, vou começalizar de novo.
Hesito muito pelo simples fato de chegar ao leitor com a cara meio envergonhada de retardatário, já que estou uma ou duas semanas sem aqui comparecer. Mas também porque, nesta “nova” fase, sou acometido de estranhos pudores, ao contrário de Aldous Huxley, que vinte anos depois da publicação de Brave New World tentou transformá-lo em “profecia” anticomunista.
Ninguém parece dar-se conta de que são Pequenos Irmãos os que vigiam o mundo absconso de banheiros e sacadas por meio de câmeras e minicâmeras, diferentemente do que querem imaginar embevecidos admiradores de outra fracassada profecia. Até mesmo uma Grande Irmã – ou Média, pois é apenas prefeita – da Bélgica foi flagrada de bunda para o amante que, de queixo levantado, revirava os olhos enquanto a traçava no alto de bela muralha.
Bem, talvez seja por vingança que uma prefeitura instalou câmeras de “segurança” em banheiro que, apesar do qualificativo, não se destina a banhos. Foi no Brasil. A gente aqui precisa às vezes estar na vanguarda de alguma coisa. Aliás, a vanguarda era da Guarda Municipal de Americana, em São Paulo. Membros (!) da valorosa corporação se rebelaram, e um deles deve receber indenização por ter tido sua “privadacidade” violada.
Como é que não pensei nisso após filmado com a “aguda empunhadura à proa” em grã-fino restaurante de Goiânia? É claro que uma indenização de R$ 5 mil, igual à determinada pela Justiça no caso do guarda de Americana, não daria para cobrir as despesas que fiz com a namorada naquele restaurante, somadas as poucas vezes em que lá estive.
Sucede que, no discreto canto que o maître (que me chamava de doutor) reservara para nós, exercitei meus rudimentos preliminares, o que fez o desmiolado cá de baixo “pensar” que o macio e lubrificadíssimo mergulho seria ali mesmo. Então, já tarde, sozinho no WC (bacana, hein?), ao dar uma relaxada para liberar o caminho da urina e literalmente enxugar a varinha (a modéstia é traço característico deste autor), virei-me para puxar a toalha de papel que ficava no estojo ao lado da pia.
Mas dei de cara e corpo inteiro com o espelho, e me vi naquela atitude que me lembrou o verso do soneto que Chico Buarque introduzira na letra de “Fado tropical”. Acima do espelho havia uma câmera nada discreta.
Apesar da má fama que carrego na cacunda, sinto-me constrangido em banheiros públicos, consciente ou não da existência de câmeras. Há sujeitinhos indecentes que não se furtam de jogar uma olhadela ao mijante do lado, mesmo quando os vasos de micção são individuais e permitem que se oculte (parcialmente embora) o membro cavernoso, murchíssimo de vergonha.
Imagine, então, leitor pudico, se o receptor de urina for daqueles do tipo de cocho diante dos quais os machos disputam espaço, soltam peidos e gemidos e sacodem obscenamente a caceta.
Eu me recordo de uma noite em Buenos Aires. Enquanto aguardava o momento de embarcar no trem em Chacarita – o que só aconteceria ao amanhecer –, fui a um bar, ali mesmo na estação, e passei a encher a cara de vinho tinto, discutindo futebol (era o que se podia discutir em público nos tempos do general Videla) com dois ou três portenhos que bebiam genebra ao pé do balcão.
O diurético leitor já imagina a premência. Era preciso mesmo ir ao mijadouro. No amplo quadrado em que havia três cochos ao longo de paredes, escolhi um lugar mais, digamos assim, folgado. Logo que, desalojado o zé-da-garoa, eu começava a sentir o alívio, ouvi à minha esquerda: ploft ploft ploft. Ao – inadvertidamente – olhar para o lado, vejo um baixinho, de barba azulada e sorriso sem-vergonha na cara voltada para mim, a estapear e a balançar uma gorda rola em estado de – aparentemente, friso – semiereção.
Ao chegar à saída, olhei para trás e vi o baixinho se deslocar para outro cocho e repetir a mesma operação ao lado de outro infeliz. Não havia câmera.
Hoje, até em lanchonetes, há desgraçados que instalam filmadora no banheiro das mocinhas à altura do vaso sanitário, como mostram vídeos em sites ou enviados por e-mail a elementos suspeitos como eu. Não se trata de mera “espiadinha”.
Agora o leitor entende a minha hesitação, o meu constrangimento. Neste – sem pretensão de ironia – covarde mundo novo.

Hamilton Carvalho