O bom amigo
Eu gosto de mostrar o pau, depois de matar a cobra (claro; sou bobo...). Creio que, ao fazer crítica, se deve dizer o nome do criticado. Há certos casos... Chega de teoria.
Fatos, vamos aos fatos.
Neste glorioso momento de cronicar (como diria um ex-editor da Gazeta, o Da Veiga), tenho em mente uma certa autodesqualificada pessoa. Mas não vou aqui nomeá-la.
Seria feio, seria como lavar a própria cueca no tanque do rival. Alguém poderia até pensar que tenho algum dodói muito íntimo, ao tornar público o nome de um desgraçado por causa de questões sem interesse nacional, possíveis meras ressonâncias de alcova.
E não é preciso. O sujeito é pé de pano, é arquétipo. Ao me lembrar da asquerosa existência do indivíduo, ocorreu-me a ideia de escrever sobre sujeitinhos que vivem cozinhando na pupila a mulher do próximo.
São pessoas cheias de atenção e bons préstimos, que se oferecem para “socorrer” a mulher do amigo quando uma ponta de fio se desprendeu da tomada ou quando é preciso substituir a borrachinha da torneira da pia da cozinha.
Neste último caso, o “bombeiro” recorta uma rodelinha do que sobrou de uma Havaianas que teve a correia quebrada e já está com o ponto de apoio do calcanhar corroído, e faz a adaptação. É mais barato e demanda mais tempo Aí, conversa vai, conversa vem...
O pé de pano é todo ele, factótum, na ausência do candidato a corno. É óbvio. Com o coitado presente, trata de altas teorias, cita Bill Gates e Fernando Gabeira, analisa a fusão de cervejarias e fala mal de algum desafeto da vítima.
Ainda assim – sem se oferecer para colocar o lixo na calçada ou emendar o arame do varal – trabalha para faturar a mulher, mesmo sem olhar para ela.
Envolve o marido em papo ecológico ou informático e impressiona a consorte com expressões pinçadas de texto frio de edição dominical de algum jornal diário, texto carregado de siglas e palavras modernas (inglesas) e chupado, por foca deslumbrado, de revista especializada.
O solerte papador de xandanga tomada em matrimônio por outrem costuma dar uma de aéreo. Sempre esquece quando o amigo está de plantão e resolve fazer-lhe uma visitinha exatamente naquele dia.
“Mas não é que só me lembrei agora?”, entoa quando a mulher abre a porta e informa que o marido não está. “Mas que cabeça a minha”, diz, batendo na testa, à espera de convite para entrar.
Em seguida, tira rapidamente do bolso uma balinha e a estende para a criança encardida e catarrenta que está agarrada à saia da senhora, fungando.
Se sentir que ela reluta em fazer o convite, pede água, faz perguntas cretinas e quer saber há quanto tempo a caixa de gordura está sem limpeza. Não perde tempo, o safado: quer dar uma olhadinha na caixa de gordura.
Em resumo, o pé de pano tem voz melíflua, é prestativo, adora criancinhas e anda sempre com caramelos na algibeira. Por gostar muito de animais, faz festas no vira-lata da família do outro toda vez que a visita.
Gosta de discorrer sobre autoajuda, a encher a boca com “autoestima” e outros termos sem sentido, já fora de moda, coisas a que nem Freud et caterva, no original, resistiriam.
Quando presencia pequenos desentendimentos entre mulher e marido, manifesta-se com salomônica sabedoria, ministrando conselhos com os quais insinua que o amigo deveria ser mais compreensivo.
É, portanto, um calhorda consumado, que ama a própria mulher e por nada do mundo viveria sem ela. Além disso, desconta nos filhos e no cachorro que tem os agrados que faz aos do alheio.
Ou seja, é o tipo de cara que eu, sem vacilar, mandaria tomar no meio do emunctório subcoccigiano. Sem mostrar o pau.
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, n.º 117, 24/10/1999)
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