quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Se a crassa humanidade tivesse lido e assimilado os sábios ensinamentos do Hamiltão, não haveria gripe suína


Uma campanha

muito educativa

Pode parecer que não é coisa de homem sério, mas até que eu gosto de poesia. Hoje, no banheiro, lembrei-me de um poema que vi afixado em um posto de vacinação em Porto Alegre, se não me engano.
Não me lembro bem da cidade, mas do poema não me esqueço sequer de um verso: “Depois da privada, / mão bem lavada.”
Lavar as mãos, antes ou depois. Caixa de banco, por exemplo (desde que não seja eletrônico), sempre deve fazê-lo antes quando se tratar de expelir apenas líquido. (Isto não quer dizer que ele não o tenha que fazer depois, por via das dúvidas e do esmegma.)
Principalmente caixa que trabalha em posto de arrecadação de tarifas de água e luz, já que passa o tempo todo mexendo com aquelas notinhas pobres, ensebadas.
Nesse caso, tratando-se somente de líquido, eu o faço antes e depois. Não é que veja necessidade de lavar a mão após tocar na parte mais limpa do meu corpo, bem protegida e resguardada.
É que, civilizadíssimo, dou sempre descarga, e aquele botãozinho (o que fica acima do vaso – e na parede) é mais que suspeito.
Conheci professor de biologia que afirmava que esse negócio de lavar mão depois da privada, mesmo em se tratando de sólido, é pura paranoia. Ele não cogitava sequer na possibilidade de um acidente, digamos, diarreico.
Era por isso, confesso, que quando ele me estendia a mão para cálido cumprimento eu olhava para o lado e para cima, ocupadíssimo em coçar o hemisfério direito da cabeça...
É, leitor, eu tinha que aderir a alguma campanha educativa. É o destino. Só não adiro a campanha por uso de camisinha, por exemplo. Não sou famoso nem ganho cachê de multinacional. Além disso, sou honesto.
Os fabricantes dão garantia de segurança, mas, pelos pipocos de que tenho sido testemunha de muito perto... Sem falar na lorota de tamanho único para aquela coisinha liliputiana, meia-coronha.
Como dizia um irmão, a melhor amiga do homem é a mão. E a mais segura, principalmente quando limpa.
Mas não ficaria bem, não é verdade?, sujeitinho aparecer na televisão espalmando a mão cheia de dedos, como se estivesse em campanha eleitoral: “Faça sexo seguro...” (O poético leitor pode até criar uma rima perfeita, se quiser.)
Você já leu bula de camisinha? Já pensou o que é desembalar o produto, assestar a lupa e começar a tentar decifrar aquelas letrinhas exatamente naquele momento?
Não há, porém, que reclamar. É dever do cidadão ler a bula antes da aplicação de qualquer produto. Ou da aplicação de qualquer coisa com o produto. Se der tempo...
Realmente, já que não tenho coisa melhor para fazer, vou aderir a uma campanha de esclarecimento. Lave a mão antes de apertar a minha.
Você, fiel leitor, sabe que sou um cara sensível, até mesmo – como diria o professor – paranoico. Não sei se é porque trabalhei em laboratório, mas meu míope olhar funciona como lente de microscópio.
Convenhamos. Existe gente que não se localiza. Estou lá no boteco, às tantas e às tontas, entra um amigo e me saúda de longe enquanto se encaminha para o mictório.
Depois sai todo lépido e me estende aquela mão seca, quente (não foi lavada), que acabou de empalmar o eventual copulador. Para que esse efusivo cumprimento se já me havia acenado e saudado com um sonoro “Olá, garotão!”?
O pior é que o sujeito, quase com deleite, prende demoradamente a mão do infeliz cumprimentado.
Leitor asséptico, vamos aderir à campanha do lava-mão. Pelo menos entre amigos mais próximos, aqueles gentilíssimos cavalheiros que gostam de segurar na nossa depois de cada micção, a qualquer pretexto.
Existe quem não gosta mesmo de usar sabonete. O tablete perfumado chega a mofar no abandono da pia.
Certos profissionais, no entanto, com paranoia ou sem paranoia, deviam recorrer a esse singelo hábito de higiene. Mesmo depois de simples desmelecada.
Havia um barbeiro lá na minha terra que era um tipo tão popular que, se fosse candidato a vereador, seria eleito prefeito.
Ainda não havia máquina elétrica e, como o homem caprichava, meu coco ficava um tempão debaixo daquele cleque-cleque, até que só restasse um quadrilátero de cabelo no alto da testa.
Ele zerava meu cabelo em tarde quente, sufocante.
O simpático profissional ainda não tinha terminado o trabalho quando, de repente, soltou um gemido e, segurando a barriga, aflito, correu para os fundos da casa em que ficava a barbearia.
Depois que voltou, desculpou-se, dizendo não saber o que havia comido para ser atacado por aquela súbita caganeira. E, cantarolando, continuou no cleque-cleque, alisando com pente e mão o resto de cabelo.
E ali estava eu, impávido, aspirando aquele cheirinho de bosta...
Sim, leitor atento, eu falava de poesia. E de poesia engajada. Não sei se você se lembra desta expressão. Poesia engajada...

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 57, 3/5/1998)

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