O Oscar
A estatueta
repousava à margem do caminho. Alguém, mais tarde, ao recordar o achado, lhe
daria o nome de Oscar – puro deboche, já que a pronúncia seria com a tônica na
última sílaba.
Isso
aconteceu no caminho da Escola de Menores, Bairro das Candeias, bem em frente
do terreno em que se ergueria mais tarde a casa do compositor Elomar. (O verbo
erguer... sei não; a casa é subterrânea.)
Tenho
recordações meio atravessadas da Escola de Menores. Por exemplo: um poema
registrado a carvão numa das paredes do sanitário.
Não
vou citá-lo porque, além de os versos serem escabrosos para os olhos sensíveis
de certos leitores, discordo da tese defendida por meio dele.
A
aberração de achar “tese errada” em poema é invenção de um jurado de concurso
“literário”. Com o “argumento”, ele conseguiu convencer o publicitário, a
socialite e o veterinário que faziam parte do júri: assim, minúsculo poeta que
o vencera em concurso anterior (no qual o uso de pseudônimo era obrigatório)
foi desclassificado.
O
coitado, sem emprego, estava interessado apenas no prêmio (em dinheiro), e não
em defender tese alguma.
Aliás,
meu trauma com relação a concursos deve ter um fundamentozinho na Escola de
Menores. A professora (eu a achava deliciosa naquela morenidade, sorrisão
alvinitente) inventou de fazer um concurso (obrigatório) de redação.
O
leitor já sabe quem levou o primeiro lugar: o degas aqui. Mas confesso que não
senti a menor emoção. Nem sabia para que serviam aquela movimentação, aquele
mural, os paparicos. Aliás, detestei. Eu era eu, e continuei o bocó de sempre,
a procurar o melhor esconderijo do mundo.
Hoje,
olhando de esguelha o passado (e encarando o presente), sinto que um mito cai:
não é preciso saber ler para saber escrever. Pô, ilustrado leitor, naquela
época eu não lia nada.
Tomei
conhecimento da existência de livros infantis tempos depois, com a construção
da Biblioteca Infantil. (Se não me engano, o cara que tocou o projeto viria a
pegar um pauzinho de arara.)
Mas
o “trauma” aconteceria no concurso seguinte (não foi mesmo trauma porque, de
verdade, pouco me lixava). Ainda sem conteúdo para fazer citações, quebrei
ponta de lápis e ganhei novamente. Só que dessa vez, antes de revelar o
resultado, a professora, honestíssima, me chamou a um canto.
“Sua
redação foi a melhor, mas Fulaninha, sabe, precisa de um estímulo.” Aceitei o
segundo lugar numa boa, e ainda por cima prometi sigilo. (Acabo de quebrar a
promessa.) A professorinha, pelo menos, teve o peito (e que...) de não falar em
tese errada.
Outros
ecos da Escola de Menores me vêm do pátio em frias manhãs serranas. Em posição
de sentido, a molecada cantava hoje o Hino Nacional, amanhã o à
Bandeira, depois de amanhã o hino da cidade.
Ainda
sei de cor o hino da cidade. Tesouro imenso... és o mais belo... tem
mais brilho aqui o sol... terra das rosas, de florestas seculares, “tem” mais
amor em seus lares que luzes no arrebol.
Não
dá para esquecer principalmente o que vinha depois. A merenda. Um copo
espumante de leite da Aliança para o Progresso, com aquele gosto miserável.
A
gentinha era obrigada a engolir a porcaria que mais tarde seria empregada
somente na alimentação de porcos. Aliás, nos Estados Unidos, de onde provinha,
o leite não servia nem para ração.
Toda
vez que vejo copinho azul de plástico, argh,
tenho engulhos. Não sei se minha irmã Nereide sente o mesmo com relação a
copinhos cor-de-rosa.
Ah,
sim. Nereide. Foi ela quem encontrou a estatueta, o Oscar. (Leitor, não se
esqueça da pronúncia: oscár.)
Era
que ver a Julia Roberts a empunhar o xará com tônica na primeira sílaba. “Olha
a moringuinha linda que achei”, dizia a menina exibindo um falo de argila.
Mal
terminei de informá-la sobre o que era aquilo, os dedinhos dela se abriram e o
coitado do Oscar se espatifou no chão. A glande malfeita rolou até parar num
rego cavado pelas chuvas.
Hamilton Carvalho
(Gazeta
de Goiás, n.º 190, 1.º/4/2001)
Vida cambaia, acho que tia Nereide já era uma grande esteta naqueles tempos...
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