quarta-feira, 23 de março de 2011

A falta de fé não leva à salvação. Enquanto isso...


A barriga

Ao desentortar a esquina da Rua 3 com a Rua 7, em Goiânia, ali onde existira importante estatal, vi a barriga. Ora, se fosse uma barriga qualquer eu estaria avacalhando este espaço com ela.
Senhora barriga de uma senhora. Mas era, digamos assim, um barrigaço provisório. Prenhez estupenda, luzidia, com imbigão e tudo, empurrando-se para muito além da barra da miniblusa.
Ah, a gravidez é coisa linda... Que o leitor não pense que há aqui alguma pieguice, como “o milagre da vida” e outros otimismos. Se homem ficasse grávido eu nem tocaria no assunto. Eco.
Sou que sou chegadão em barriga de mulher. A chanfradinha, a rolicinha, a de penugenzinha (que, em alguns casos, sugere a existência de uma assembleia de tarântulas logo abaixo), a lisinha. Não poderia deixar de gostar também daquela barriguinha de feijão, tão brasileira.
Ora, porra, venero a mulher inteira. Não a como em postas. Mas é claro que, quando venho lá de cima, navego o mar sereno do ventrezinho dela e ultrapasso a linha do equador, a ancorar a língua a cada paralelo, até o pélago profundo.
Chega de “detalhação”, como diria o gramático Napoleão do Jornal Opção (que é o mesmo humilde Machado de Assis do Diário da Manhã).
O fato é que a visão da gravidíssima barriga, na esquina da saudosa Telegoiás (não confundir com a homônima), me fez recordar...
Minha muito cultivada solidão e eu precisávamos nos reencontrar nas madrugadas. Vinho e palavras. Resolvi alugar um quarto na mesma rua, pouco abaixo de onde morava com a família.
O quarto era estreito, e nele já havia uma cama. Cama antiga, daquelas de molas. Rangente feito a fúria.
A entrada era no fundo de um quintal aberto, atrás de pequena habitação do tipo em que em Goiás se chama barracão (a explicação é necessária porque esta crônica vai correr mundo). Ao lado, no mesmo terreno, ficava a casa da senhoria.
Sossego absoluto para escrever? Que nada. Na verdade, passava mais tempo em casa, com a família, do que ali. A rotina não mudou. Comia, tomava banho, via TV – tudo como sempre, lá. Gostava de bater papo com minha mãe, e às vezes não conseguia me desgarrar para ir ao quartinho.
Que sossego que nada. É claro que à noite me encontrava com a solidão. Mas em boas tardes de fim de semana a mulher que me alugara o quarto, testemunha de Jeová, burlava minha solidão para me entregar folhetos.
Numa daquelas tardes ela me levou meio copo de café, quentíssimo. Ficou à porta, não galgou o alto degrau. Coloquei o copo em uma cantoneira que havia ao lado. A dama se apoiou no batente.
Baixinha, tinha o nariz à altura da braguilha de minha calça. O volume, ali, tornava-se indiscreto. Eu nem tchum. De vez em quando virava meio corpo para pegar o copo e dar umas bicadinhas.
Numa dessas vezes, ao desvirar o meio-corpo, surpreendi um par de olhos hipnoticamente cravados no rumo do meu pau, bem pertinho.
Então, com a tranquilidade que só Jeová poderia dar, abri o fecho ecler e deixei a ansiosa saltar para fora. A velha, excitadíssima, não resistiu. Caiu, digamos assim, caiu de cara. Entrou em transe.
No começo, prendia a marilda entre as mãos como se moldasse massa de biscoito. Depois deu de esfregar o rosto nela e gemer: “Ai, Jesus, como eu gosto disto... Ai, Jesus, ai Jesus, como eu gosto disto.” Parecia sufocar.
Muito cavalheirescamente, tomei-a pelas mãos e a fiz subir o degrau, conduzindo-a ao tálamo. Parou. Sussurrou, apontando para o bucho: “Não vê o meu estado?”
A gravidez era espantosa, ainda mais que a mulher já estava bem rodadinha para carregar aquilo tudo.
Suasivo, eu a fiz adaptar-se a uma posição que para ela, pelo arregalar dos olhos, seria novidade.
Pois é. A barriga que vi hoje, na esquina da 3 com a 7...
Ah, sim. Esquecia de dizer: a senhoria tinha uma filha, moça alta, loira, bonita. Ela passou a me levar folhetos.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 189, 25/3/2001)

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