quarta-feira, 18 de maio de 2011

É líquido e certo: o autor sabe como fazer fluir um texto, embora chova no molhado


Encorizado

Não é que a diaba da gripe me pegou? É como se ela, depois da crônica da semana passada – que tem sugestivo e deslizante substantivo por título: “Coriza” –, quisesse mostrar com quantos paus se faz uma cangalha.
Ora, corizinha não é nada, um detalhe no mal-estar generalizado. Em mim, então, a agonia se agrava com a lembrança de um gripão que me atacou em Manaus, na época em que fazia cuscuz para vender na feira.
Na verdade, fazia cuscuz só por farra e para ajudar um rapaz que trabalhava comigo em Abrahim, Irmão & Cia., empresa de beneficiamento de borracha cujo prédio do escritório o “irmão”, para raiva do sócio majoritário, transformara também em armarinho e loja de tecidos e de munição.
Aluguei um quarto na casa da mãe do colega. A casa era toda de madeira e ficava plantada no leito fundo de um igarapé, sobre grandes estacas por causa das enchentes.
O pessoal havia aproveitado o quadrilátero da estacaria para fazer um quarto, que naturalmente só poderia ser utilizado nos períodos secos. Naquele porão habitei.
A irmã do colega, mocinha bem-fornida, costumava, em tardes dominicais, descer até minha rede para umas cariciazinhas sem compromisso (era noiva, ou coisa assim).
Certa noite, eu saindo para ir ao cinema, ela me acompanhou até o ponto de ônibus, onde fez abusinho de minha timidez. Depois de um tempão, eu para lá de empolgado, o ônibus chega, sem mais nem menos.
Com calça clara de tecido leve, foi um drama entrar no veículo e ainda por cima ter de viajar de pé, por falta de lugar. O zé-da-garoa garoou demais e, atrevido, não quis logo baixar o facho.
Foi assim. Eu lá, de pé, mãos erguidas para agarrar a barra do teto, defendendo-me dos solavancos – e o impudente, todo empinado, a exibir através do pano a coroa molhada.
Mulher não tem desses dramas. Aliás, tem. Dias atrás – ah, morênica recordação – fofura das mais apetitosas, apertadinha em alvíssimas calças (a de dentro e a de fora), surpreendeu-me a olhá-la, e aproveitou. Virou a bundinha e pediu...
Era num terminal de passageiros (ou de ônibus, sei lá). A coisinha menstruou de repente e queria saber se o mênstruo vazava para o reguinho subcoccigiano.
O marmanjão aqui, feito devoto, se acocorou no meio da multidão e, como se examinasse o estepe de um jipe, ficou cara a cara, cheio de unção e baba, com aquela maravilhosa gluteosidade. Seca e trescalante.
Mas isso é acidente, e não o resultado de doidas chamegadas. Claro que, às vezes, pode acontecer... O leitor bem se lembra das lavadas que dei em uma piscina de clube. O manhoso zé-da-garoa, querendo ou não, abriu caminho para belo e rubro deflúvio.
Quando disse para a garota do terminal que o pezinho-de-rabo estava na mais límpida circunstância, ela se achou na obrigação de informar: “Na frente já molhou.” E aduziu explicação desnecessária pelo pedido de olhada. “É que aí atrás as pessoas olham muito.” Duvidar quem haveria de, meu deus?
Bem, deixemos de lado a sorte de um velho voyeur e voltemos ao gripão manauara.
Ou seria melhor que a gente falasse de cuscuz? Sei lá, sei não: o viral deus das gripes parece por demais vingativo. Bem. De qualquer forma, verei o que resolvo para a próxima crônica. (Diabo de coriza...)

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 200, 10/6/2001)

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