quinta-feira, 7 de abril de 2011

A atmosfera fervilhante de uma redação de jornal nunca desconcentra Hamiltão. A não ser quando surge alguém com quem implique. Eis o porquê do “improviso”


O tagarela

Sujeitinho de falar muito sou eu – depois de enxugar algumas canecas de vinho, e dependendo do interlocutor. Só que juntinho da dama do momento faço a boca se ocupar com algo mais interessante.
Não sou tagarela, desses compulsivos que não perdoam nem o ambiente de um trabalho que exige alguma concentração e tem prazo de entrega determinado. Nem do tipo pior, aquele que força a barra na tentativa de ganhar o que não consegue com talento, que tal não existe.
O conversador compulsivo conversa pelo prazer de conversar, é espontâneo, sincero. Quando desconfia que alguém se sente incomodado interrompe a falação, pede desculpa e – oh, Deus, se todos fossem assim – desocupa a moita.
O duro é ter de aturar neguinho hipócrita taramelando em nossos ouvidos, com aquela alegria que só os imbecis são capazes de ter (mesminho que ver boneco de vento de borracharia). Quando percebe (depois de muitas dicas) que alguém está incomodado, aí é que dana a matraquear para ver se “conserta”.
Dar trela a essa categoria de gente é pisotear o profissionalismo.
Aliás, O Tagarela foi o primeiro jornal para o qual trabalhei, aos 10 anos. (Não sei o que fazia além de dar palpites.) Ele havia sido fundado por meu irmão imediatamente mais velho (há uma irmã de permeio).
Uma vez por semana, silenciosamente, o mano criava pequenos textos satíricos, mourejando noite adentro. Silenciosamente e seriamente. (Para fazer humor não é preciso ser palhaço no ambiente, a tornar penoso o trabalho de criação de outras pessoas.)
O jornalzinho era escrito à mão, em bonita letra de fôrma, e distribuído clandestinamente no colégio do padre Palmeira, colégio de rígida disciplina no qual Acrísio estudava. Às segundas-feiras, o pasquim era encontrado em um caderno, ou livro, ou casaco; no banheiro, atrás de porta, ou pendurado em alguém.
Com o tempo e a curiosidade crescente dos colegas, Acrísio passou a ter dificuldade para “soltar” o jornal sem ser flagrado. Um desafio que o mano encarava com a moderada alegria dos sábios.
Depois era só ver a um canto do vasto pátio, durante o recreio, um grupo enorme de marmanjos em torno de alguém que lia em voz alta. Gargalhadas a um nome citado, a uma frase cabeludíssima, a uma maldosa insinuação. Ninguém escapava. Em alguma ocasião, para evitar suspeita, Acrísio – sonsíssimo – mangava da própria figura.
O Tagarela fez grande sucesso. Às vezes penso em ressuscitá-lo, mas a preguiça pesa. Além disso, nenhum provinciano seria doido de patrocinar uma publicação que teve e teria como princípio basilar debochar de todos, sem exceção. E sem barulho.
Agora, confesso ao leitor: só falo aqui do jornalzinho porque este texto é um improviso. Não sei por que motivo minha parca imaginação (que atua apenas no nível da palavra escrita) não quis sair da toca.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 192, 15/4/2001)

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