quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O que vier, dois palitos. Na hora do aperto, Hamiltão aposta qualquer coisa, só para ter o gostinho de não dar o braço a torcer


Crises e mudanças

Estou (não vou generalizar com um “estamos”) no fundo da curva da crise. Mas, dizem, as crises prenunciam mudanças. Sei lá. Penso na crise que alguns amigos e eu vivíamos com a falta de cerveja durante o Plano Cruzado.
Leitor, ah, leitor, você já jogou porrinha? Não, não me refiro ao ato de atirar porra no côncavo uterino ou em antipático bico de camisinha. Ou em qualquer concavidade ou conduto. Ou mesmo em ralo de banheiro.
(Aliás, nessa variante do sublime esporte do gozo, a do banheiro, ultimamente ando no ápice de minha carreira de craque. Resultado de crises.)
Porrinha, no nobre sentido que aqui quero expressar, é o mesmo que jogo de palitinhos, conhecido também, por gerações mais cultas – ou esnobes –, como basquete de bolso. (E ainda dizem que não sou cultura...)
Na área coberta em frente ao bar do Florim (hoje o vistoso Supermercado Bom Sucesso, ainda de Florim e família), eu, metido em sensualíssimo calção (não desses bermudões escrotos), costumava bater uma porrinha adoidada.
O velho Argemiro, um aposentado da RFFSA (que o preguiçoso leitor descubra que diabo é isso), comandava o evento dos fins de semana. Figura alegre e levemente maliciosa, seu Argemiro, ao ver passar mulher boa, suspirava: “Ai, ai... Deus é justiceiro; tira a força mas não tira a vontade.” [O advento do Viagra viria confirmar essa “teologia”.]
A turma em volta da mesa, como é de praxe em jogo de palitinhos que se preze, apostava a próxima cerveja enquanto golejava a da garrafa posta. O dia, assim, transcorria gostoso, sombra aqui e solzão comendo na rua.
Ora, com a crise da carne, quero dizer, com a crise da cerveja, nossa disputadíssima farra semanal estava ameaçada. Foi quando alguém deu a ideia. Por força da crise, alguém tinha que ter uma ideia. “Por que a gente não aposta uma garrafa de jurubeba?”
Nas circunstâncias, era uma boa ideia. Mandamos descer uma garrafa de vinho de jurubeba (não me lembro se Leão do Norte ou se Cangaceiro). A certa altura, constatamos um problema: não se traga jurubeba no mesmo ritmo com que se bebe cerveja.
Como apostar a próxima? Como gritar, eufórico apesar da derrota, “Florim, desce a minha”? Havia sempre uma próxima depois da próxima da próxima. A chumbada era pra valer: pesava mesmo.
Decidimos, então, apostar carteira de cigarros. A coisa deu certo durante vários fins de semana, até que um não fumante (só pra variar...), que vinha numa maré de sorte, protestou.
Passamos a apostar barras de chocolate. Florim festejou, pois ali o produto não era muito acessível à garotada, e ele ficou, rapidinho, sem o estoque de chocolate.
Assim, chegamos a apostar até panela de pressão, ó meu. Era só um produto entrar em crise, a gente mudava para outro.
Vou sair desta.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 143, 30/4/2000)

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