quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Em texto aliciante, quase rapsódico, Hamiltão relata como se tivesse “roubado”


O maior chuparino

Subi ao telhado pela traseira da casa. Fui-me arrastando, devagar, até divisar o portão no outro lado da rua. Lá estava ela, a lúbrica Língua de Veludo.
O leitor, naturalmente, não se interessa por assunto tal qual o que se delineia nas palavras acima. Por isso, vou mudar de paleta e de tom.
Antes, porém, devo dizer que a lembrança da bela Língua de Veludo me ocorreu ao ver hoje, no ônibus, uma garota muito parecida com ela. (“... lembrança da bela Língua de Veludo” – o leitor sente como alitero deliciadamente...)
Pode ser coisa feia, mas a memória me arrasta ao encontro de Calhambeque, um velho desdentado que se dizia “o maior chuparino do mundo”.
No entanto, o que fez o sujeito ganhar o apelido de Calhambeque não foi a obscena e arreganhadíssima boca cheia de gengivas e vorazes papilas. Todo o puteiro daquela planaltina vila não o conhecia por outro nome.
Dizia-se no bar em que um de meus irmãos trabalhava, à margem da Rio-Bahia, que o epitetado (meu deus) vivia carregado de doenças venéreas. Vazava pus como carro velho solta óleo pelas juntas desgastadas.
Mesmo assim o desgraçado não perdia a pose. Dedo em riste, com veemência perdigoteira, proclamava: “Sou o maior chuparino do mundo.”
Isso poderia até ser verdade – sei lá, meu deus –, já que o infeliz era sempre muito bem-vindo ao brega. “Sou o maior chuparino do mundo.”
Não era um chupador qualquer. Afinal, artístico leitor, nunca houve um bailador chamado Nureyev.
A língua é realmente muito sutil, quer dizer, a língua portuguesa.
Caso em que pensar, o do Calhamba. Depois de levar anos fodendo todas as quengas do perímetro rodoviário, a trocar cocos com elas, o velhote passou a chupitá-las com unção cada vez maior, até consagrar-se definitivamente nos anais (ou vaginais) da vila.
O leitor, hoje, é testemunha de um retrocesso sem precedentes na história sexual da humanidade.
Conscientizado pela propaganda na televisão, putanheiro dos tempos atuais pega camisinha Ploc, a paraguaia, e vai à decadente casa de Tia Alzira para aplicar uma, digamos assim, fodinha formal.
Nada para encher a boca e proclamar: “Sou o maior chuparino do mundo.”
Ih, nem falar do amante pé de muro. O Valentino boqueteiro já não pode, galantemente, ajoelhar-se diante da amada, lotar as mãos de bunda e... fazer, leitor, fazer o que se faz com laranja destampada.
Há em mim como que uma sensação de perda. Não existem heróis iguais aos de antigamente. Ali, à margem da Rio-Bahia, eu, molequinho que mal se iniciava na punhetinha digital, ouvia, como se roubasse, épicos relatos de figuras que bailavam em torno de uma mesa de bilhar, nas tardes preguiçosas da amada vila planaltina.
Foi assim, cheio de aspirações, que anos depois me encarapitei no telhado de casa. Dali, passei a observar, excitadíssimo, a lasciva Língua de Veludo. Mas sinto que o assunto não interessa ao leitor, e paro por aqui.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, n.º 176, 17/12/2000)

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