Confraternização de fim de ano
Chego de manso, a medo, a este canto de
página. Não é uma volta triunfal, já que desta vez nenhum leitorzinho filho da
mãe lamentou a ausência de minhas baboseiras semanais.
Nada de chutar o pau
da barraca, nada de sacanais loucuras, nada de taras e tarinhas. Adiro, com
este cronicão pesado, ao estilo modorrento de certos coleguinhas (como me
detesto...).
Por falar em pau...
Ah, não, não me deixarei cair na tentação das baixarias. Ando a reciclar-me nos
páramos do amor.
Pois é,
sentimentalizei-me de vez na festa de confraternização da Gazeta,
domingo passado. É claro que a farta cerveja ajudou bocadão.
Retifiquei alguns
sentimentos, concedi dois ou três perdões, jurei pagar uma ou outra dividazinha
de mil-réis.
Minhas retinas,
desbotadas pelo sol áspero da vida, serenaram-se no verde e no azul da paisagem
onírica. Agarrei a utopia pela goela e bradei: “És minha.”
És minha. Comemorei a
volta do eu possessivo, querente, aflitíssimo pelo gozo. Abri o sorriso
incompleto e estendi as mãos a carícias de repente possíveis.
Beatificamente
instalado diante de um copo inesgotável, à sombra das palmeiras, sucedeu de,
vezinha que outra, eu ficar perdido olhar adentro. Em momento assim foi que
alguenzinha me surpreendeu: “Por que essa carinha tão melancólica?”
Não, não havia
melancolia. A cara de bunda era a mesma, apenas um pouco mais nua,
desprevenida, como que arreganhada. Mas logo armei o ar blasé de intelectual aclamado por multidões ignaras.
E por falar em
bunda... Ah, leitor de suplementos literários, paciência. Paciência. Como
resistir ao fato? A calipigidade das meninas festeiras era realmente notável.
Uma, em particular... Ora, leitor indiscreto. Bah.
Ganhei o meu domingo
logo ao pisar o gramado irretocável da chácara. Com algum atraso, pois o
caminho do eldorado nem sempre é fácil para não iniciados.
Aí, dei de cara com
um esfuziante Luiz de Aquino. Ele acabara de conhecer Beethoven – pessoalmente.
Olhei para o lado e vi o safado do Ludwig, surdo ao burburinho, a se esfregar
nas torneadas pernas da colunista Jô Almeida. Aliás, ele (o poodle) era o único
cachorro da festa.
Eu, pelo meu ladinho,
preferi avaliar o rosto promissivo de Mona Lisa, cujo defeito circunstancial
era estar debaixo do braço de Juarez Alencar, que não é e nunca foi nenhum marchand. Talvez por isso é que a
menina, sob disfarce, tenha adotado o codinome de Sheila.
É, arredio leitor,
sentimentalizei-me. Assim, reciclado, mas a medo, chego de manso ao meu velho
cantinho de página.
Hamilton Carvalho
(Gazeta
de Goiás, n.º 175, 10/12/2000)
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