quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Cenário estilo The Great Gatsby. Texto apressado, como se quisesse esquivar-se de personagens. E ecos, muito leves, do jornalismo provinciano


Confraternização de fim de ano

Chego de manso, a medo, a este canto de página. Não é uma volta triunfal, já que desta vez nenhum leitorzinho filho da mãe lamentou a ausência de minhas baboseiras semanais.
Nada de chutar o pau da barraca, nada de sacanais loucuras, nada de taras e tarinhas. Adiro, com este cronicão pesado, ao estilo modorrento de certos coleguinhas (como me detesto...).
Por falar em pau... Ah, não, não me deixarei cair na tentação das baixarias. Ando a reciclar-me nos páramos do amor.
Pois é, sentimentalizei-me de vez na festa de confraternização da Gazeta, domingo passado. É claro que a farta cerveja ajudou bocadão.
Retifiquei alguns sentimentos, concedi dois ou três perdões, jurei pagar uma ou outra dividazinha de mil-réis.
Minhas retinas, desbotadas pelo sol áspero da vida, serenaram-se no verde e no azul da paisagem onírica. Agarrei a utopia pela goela e bradei: “És minha.”
És minha. Comemorei a volta do eu possessivo, querente, aflitíssimo pelo gozo. Abri o sorriso incompleto e estendi as mãos a carícias de repente possíveis.
Beatificamente instalado diante de um copo inesgotável, à sombra das palmeiras, sucedeu de, vezinha que outra, eu ficar perdido olhar adentro. Em momento assim foi que alguenzinha me surpreendeu: “Por que essa carinha tão melancólica?”
Não, não havia melancolia. A cara de bunda era a mesma, apenas um pouco mais nua, desprevenida, como que arreganhada. Mas logo armei o ar blasé de intelectual aclamado por multidões ignaras.
E por falar em bunda... Ah, leitor de suplementos literários, paciência. Paciência. Como resistir ao fato? A calipigidade das meninas festeiras era realmente notável. Uma, em particular... Ora, leitor indiscreto. Bah.
Ganhei o meu domingo logo ao pisar o gramado irretocável da chácara. Com algum atraso, pois o caminho do eldorado nem sempre é fácil para não iniciados.
Aí, dei de cara com um esfuziante Luiz de Aquino. Ele acabara de conhecer Beethoven – pessoalmente. Olhei para o lado e vi o safado do Ludwig, surdo ao burburinho, a se esfregar nas torneadas pernas da colunista Jô Almeida. Aliás, ele (o poodle) era o único cachorro da festa.
Eu, pelo meu ladinho, preferi avaliar o rosto promissivo de Mona Lisa, cujo defeito circunstancial era estar debaixo do braço de Juarez Alencar, que não é e nunca foi nenhum marchand. Talvez por isso é que a menina, sob disfarce, tenha adotado o codinome de Sheila.
É, arredio leitor, sentimentalizei-me. Assim, reciclado, mas a medo, chego de manso ao meu velho cantinho de página.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, n.º 175, 10/12/2000)

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