quarta-feira, 7 de abril de 2010

Que diabo é isto? Texto quântico, degenerescência literária ou fruto da falta do que dizer?


A mais bela crônica

Felizão da vida, lá fui eu a uma agência da Caixa Econômica para arrepanhar meus 40 paus de PIS. Na Banca Parthenon Center, ali pertinho, vi cartaz anunciando: “Compramos e vendemos revistas Playboy usadas”.
PIS. Programa de Integração Social, acho. Já há largo tempinho que sou pisado (no bom sentido, ou pelo menos não no sentido de esmagado), mas até hoje não entendo que diabo de integração é essa.
Desde os tempos da Aliança para o Progresso, quando me via obrigado a tragar – depois de fingir cantar o Hino Nacional – aquele leite de gosto miserável que era servido na Escola de Menores, sinto-me um desintegrado social.
Deve ser resultado das memoráveis caganeiras provocadas pelo espumante leite dos gringos, que vinha estragado e, segundo me disseram, acabou virando ração para animal mais resistente.
Talvez seja por isso que tenho este jeitão trash de ser, e anúncios como aquele prendem minha atenção.
Mas, leitor, convenhamos: que sujeitinho mais sem-vergonha é aquele que adquire um lambrecado produto, produto usado às esconsas por sabe-se lá quem e quantos?
Por falar nisso, que usos se podem fazer com revistas de mulher pelada?
Em parede de borracharia, as coloridas páginas servem para distrair o freguês enquanto o borracheiro levanta a alavanca (para retirar a câmara de ar do pneu furado).
É claro que o borracheiro só exibe ao público suas mulheres de papel depois de muito tê-las usado. Onde?
No banheiro. Aqui é que o cândido leitor me pergunta que uso se pode fazer de uma revista na casa de banho (não apenas de banho, pois o recinto é utilizado também para a extração de líquidos, sólidos e gasosos, além de colocar sua acústica a serviço de apaixonados cantores).
Bem. O marmanjo, com seus banhos demorados, estrangula a revista aberta contra a parede, e manda ver.
Se o leitor fizer pesquisa nas ensebadas publicações que se vendem em sebos, por certo saberá, pela impressão dos dedos, se o usuário era destro ou sinistro.
O canhoto, por exemplo, empunha a revista com a mão direita.
O leitor é esperto, não vai fazer tal pesquisa. Só o trabalho de descolar as páginas...
Pensando bem, o termo descolar não é lá muito adequado, já que não entra cola na fixação. Desporrar bate em cima.
Que outro emprego se poderia dar à revista no banheiro?
Dada a lisura das páginas, a limpeza do esfíncter não é recomendada. E neguinho esperto vai é revender as amadas de celulose (não confundir com celulite, pois isso as câmeras se recusam a registrar), e não enfeitá-las de bosta.
Laboratórios de análises clínicas também se utilizam dos préstimos de publicações como Playboy.
Em cubículo cheio de lâminas, espátulas e copos de Erlenmeyer, o paciente (haja paciência – dos outros), depois de selecionar a musa provisória, empunha a publicação à altura dos olhos, e manda ver. Nesse caso, o nubente se vale, digamos assim, de um auxílio-punheta.
Informaram-me que o sêmen de touro de raça é retirado de maneira moderna, com a aplicação de choque elétrico no ânus do coitado. Prefiro a mão à moda antiga.
Se você, solitário leitor, precisar de revistinha para não forçar a memória e não quiser gastar 10% do seu PIS, poderá alugar uma em determinada banca de jornal.
O último aluguel de que tenho notícia foi de R$ 0,50. Mas também é na base do vapt-vupt. Ideal para quem tem ejaculação precoce.
Só que Playboy não sei não... Registrei reclamação de adolescente que adquiriu a edição que traz a Tiazinha: “As fotos são muito artísticas.” Safado.
Recomendei ao pequeno pervertido que experimentasse a Hustler, que mostra, em suas edições, lindas poses ginecológicas. (Que o maldoso leitor não pense que faço permuta com mister Larry Flynt, “founder and publisher”.)
É, realmente, talvez eu tenha sido estragado pelo leite da Aliança para o Progresso, e a merreca do PIS não me vai redimir. Só tenho olhos para as coisas pequenas e sórdidas, como um anúncio perdido entre revistas e jornais, e não posso premiar o romântico leitor com a mais bela crônica da vida.
Não, não posso.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 95, 2/5/1999)

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