A mais bela crônica
Felizão da vida, lá
fui eu a uma agência da Caixa Econômica para arrepanhar meus 40 paus de PIS. Na
Banca Parthenon Center, ali pertinho, vi cartaz anunciando: “Compramos e
vendemos revistas Playboy usadas”.
PIS. Programa de Integração Social, acho. Já há largo tempinho que sou
pisado (no bom sentido, ou pelo menos não no sentido de esmagado), mas até hoje
não entendo que diabo de integração é essa.
Desde os tempos da Aliança para o Progresso, quando me via obrigado a
tragar – depois de fingir cantar o Hino Nacional – aquele leite de gosto
miserável que era servido na Escola de Menores, sinto-me um desintegrado
social.
Deve ser resultado das memoráveis caganeiras provocadas pelo espumante
leite dos gringos, que vinha estragado e, segundo me disseram, acabou virando
ração para animal mais resistente.
Talvez seja por isso que tenho este jeitão trash de ser, e anúncios como aquele prendem minha atenção.
Mas, leitor, convenhamos: que sujeitinho mais sem-vergonha é aquele que
adquire um lambrecado produto, produto usado às esconsas por sabe-se lá quem e
quantos?
Por falar nisso, que usos se podem fazer com revistas de mulher pelada?
Em parede de borracharia, as coloridas páginas servem para distrair o
freguês enquanto o borracheiro levanta a alavanca (para retirar a câmara de ar
do pneu furado).
É claro que o borracheiro só exibe ao público suas mulheres de papel
depois de muito tê-las usado. Onde?
No banheiro. Aqui é que o cândido leitor me pergunta que uso se pode fazer
de uma revista na casa de banho (não apenas de banho, pois o recinto é
utilizado também para a extração de líquidos, sólidos e gasosos, além de
colocar sua acústica a serviço de apaixonados cantores).
Bem. O marmanjo, com seus banhos demorados, estrangula a revista aberta
contra a parede, e manda ver.
Se o leitor fizer pesquisa nas ensebadas publicações que se vendem em
sebos, por certo saberá, pela impressão dos dedos, se o usuário era destro ou
sinistro.
O canhoto, por exemplo, empunha a revista com a mão direita.
O leitor é esperto, não vai fazer tal pesquisa. Só o trabalho de
descolar as páginas...
Pensando bem, o termo descolar não é lá muito adequado, já que não entra
cola na fixação. Desporrar bate em cima.
Que outro emprego se poderia dar à revista no banheiro?
Dada a lisura das páginas, a limpeza do esfíncter não é recomendada. E
neguinho esperto vai é revender as amadas de celulose (não confundir com
celulite, pois isso as câmeras se recusam a registrar), e não enfeitá-las de
bosta.
Laboratórios de análises clínicas também se utilizam dos préstimos de
publicações como Playboy.
Em cubículo cheio de lâminas, espátulas e copos de Erlenmeyer, o
paciente (haja paciência – dos outros), depois de selecionar a musa provisória,
empunha a publicação à altura dos olhos, e manda ver. Nesse caso, o nubente se
vale, digamos assim, de um auxílio-punheta.
Informaram-me que o sêmen de touro de raça é retirado de maneira
moderna, com a aplicação de choque elétrico no ânus do coitado. Prefiro a mão à
moda antiga.
Se você, solitário leitor, precisar de revistinha para não forçar a
memória e não quiser gastar 10% do seu PIS, poderá alugar uma em determinada
banca de jornal.
O último aluguel de que tenho notícia foi de R$ 0,50. Mas também é na
base do vapt-vupt. Ideal para quem tem ejaculação precoce.
Só que Playboy não sei não... Registrei reclamação de
adolescente que adquiriu a edição que traz a Tiazinha: “As fotos são muito
artísticas.” Safado.
Recomendei ao pequeno pervertido que experimentasse a Hustler,
que mostra, em suas edições, lindas poses ginecológicas. (Que o maldoso leitor
não pense que faço permuta com mister Larry Flynt, “founder and
publisher”.)
É, realmente, talvez eu tenha sido estragado pelo leite da Aliança para
o Progresso, e a merreca do PIS não me vai redimir. Só tenho olhos para as
coisas pequenas e sórdidas, como um anúncio perdido entre revistas e jornais, e
não posso premiar o romântico leitor com a mais bela crônica da vida.
Não, não posso.
Hamilton Carvalho
(Gazeta
de Goiás, nº 95, 2/5/1999)
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