quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ao receber por fax recorte deste texto, enviado por uma “amiga”, a tal “pessoinha” (uma mulher, claro) ficou levemente chateada com o “garanhão”


Alô? Bati o carro

Pessoinha de minhas relações bateu o carro. Coisa chata. Sempre que recebo tal tipo de notícia, lembro-me da vez em que, com o carro da firma em que trabalhava, abalroei a traseira de um caminhão três-quartos.
A caminhonete C-14 ficava à minha disposição para executar qualquer serviço no centro de Imperatriz, MA. Isso durante o dia, porque à noite... Bem, à noite a história era outra.
Não costumava estacionar muito, por exemplo, na Farra Veia [pron.: “véia”], o puteiro mais antigo da cidade. Mas marcava bela presença na boate da garotada gente-fina, para exercitar meu poder de sedução.
Dava certo, e só não dava mais certo por causa desta minha invencível timidez.
Há ocasiões em que não acredito em mim. Ali, na boate, namorei por uma noite linda garota de olhos verdes. De madrugadinha, depois dos amassos de regra, levei a jovem para a casa dela.
Era tão tímido que queria faturar a menina naquela mesma noite, dentro do carro, pertinho de onde ela morava, só para não ter que visitá-la e encarar parente, como se fosse o coitado de um namorado comum.
Ela queria mais e, por isso, deu pouco. Deu nada.
Só houve o vapt, não houve o vupt. Naquele tempo, depois da linda Lucimar de Manaus, eu não queria mais arredondar ovo com ninguém. Perdi, talvez, um grande amor.
Na época, meu calo, mesmo, eram as quatro telefonistas da cidade. Por causa delas, não resultou em nada meu flerte telefônico com a filha do dono de uma torrefação de café.
Não, estou sendo injusto. Embora elas monitorassem meus telefonemas, a culpa toda foi da minha parva timidez. Conversava com a garota apenas por telefone.
Quando passava de carro pela rua em que ela morava, respondia aos acenos mas não parava para bater um papinho com a lindura. Até mesmo cheguei a encontrá-la em um clube, mas ficamos somente na troca de olhares.
É bem verdade que eu estava de namoradinha, o que sem dúvida atrapalhou. (O leitor, se vem comigo lá de trás, deve lembrar-se da maranhense que perdeu a dentadura na piscina.)
As telefonistas eram muitinho sapecas. Toda vez que eu pedia uma ligação, a que atendia puxava conversa, fazia elogios, ou seja, agravava minha timidez.
Todas me cantavam, mas, como diz a canção infantil, não comi ninguém. Havia, digamos assim, um engarrafamento no meu pedaço. Uma danadinha atrapalhava a outra, e o bestão aqui ficava na mão.
Na boate, então, a disputa era coisa de louco. Só conseguia ficar um pouco mais íntimo de uma quando outra ia fazer mijadinha. Como diria o comentarista tatibitate Casagrande, não finalizava.
Ah, sim, exigente leitor. Eu falava de batidas.
Belo dia me levantei com estupenda ressaca e fui cumprir meus deveres. Em estreitíssimo beco do centro da cidade [beco onde funcionava a citada boate], tive de parar atrás do três-quartos, cujo motorista levava o maior papo com alguém que estava a uma janela.
O sujeitinho ficou um tempão ali, observando-me pelo retrovisor, porém não buzinei – o que deve tê-lo irritado.
Aí resolveu me castigar, por não me comportar como ele no trânsito. Saiu devagarinho e virou a esquina. Eu atrás.
Logo depois da esquina havia um grupinho assanhado de garotas. O bonitão aqui não se fez de rogado e ficou jogando charme. De súbito, o carro que ia à frente freou no meio da rua. Foi o bastante.
Sensação terrível. A caminhonete meteu o capô debaixo da carroceria do três-quartos. O estrago foi grande.
Atordoado, apanhei os óculos, que caíram perto da embreagem, e, com muita dificuldade, abri a porta e saí. Ali mesmo, sem dar ouvidos ao motorista do caminhão, peguei um táxi.
É que não tinha carteira de habilitação. Meu pai, gerente da firma, foi buscar o carro, que teve de ser guinchado.
O interessante é que o velho mulherengo não brigou comigo. A batida, para ele, teve causa justa. Além disso, fui macho suficiente para fugir do flagrante.
Neguei que estivesse paquerando no momento do acidente, mas ele era esperto. “Sei que você não freou, pois não vi nenhuma marca de pneu no asfalto, e você é bom motorista.” Era esperto.
É horrível a sensação que se tem numa batida de carro. Sei bem o que sentiu a pessoinha de minhas relações. Logo ela, que dirige tão bem...

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, n.º 99, 30/5/1999)

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