Fidel e Letícia
Enquanto não me chega mensagem por e-mail
da felina Letícia Spiller, vou bordejar por assunto desinteressante, como
sempre. É claro que o leitor não precisa embarcar nessa. Este é um aviso
honesto.
Certos cronistas
pensam que cérebro de leitor não funciona, e assim, quando estão sem assunto, caem
na embromação.
Por exemplo, há os
que recorrem a citações. Existe livrinho de Stanislaw Ponte Preta sob medida.
Mario Prata já apelou
para isso. Fez um nariz de cera babaca para informar aos ignorantes que o Stan
da Tia Zulmira era Sérgio Porto, e mandou ver trechos de escritos do intimorato
jornalista carioca. Faturou o seu à custa da imaginação alheia.
Já o degas aqui
recorre a ideias das filhas.
Aliás, elas vivem a
me cobrar um “romance” chamado O Gato Careca, cuja péssima
inspiração me ocorreu há alguns anos. Fiz a besteira de prometer que o
escreveria.
As meninas gostam
muito de gato. Gostam muito de animais em geral. (Talvez por isso é que têm
tanto carinho por mim.)
Só que às vezes
exageram. E sobra para o bestalhão do pai.
Dias atrás me
apareceram em casa com um casal de gatos “adolescentes” (elas têm cada uma...).
É que onde elas moram não há como manter dois “adolescentes” cagões.
Agora os danados
empestam a minha casa. Na “fase” em que eles estão, não se preocupam em dar uma
chegadinha ao quintal, onde o chão de terra é mais propício que o azulejado.
A gata não sai de
dentro da casa de jeito nenhum. O que ela faz é só comer, dormir e...
Já Fidel, o gato,
passa a maior parte do tempo no matagal do meu “jardim”, a trepar em árvores e
a correr atrás dos frangos da vizinha da esquerda (o que, aliás, é uma
incoerência ideológica).
Vai ver que Fidel,
que anda tão ocupado, não tem nenhuma responsabilidade pelo bosteiral que
invade o meu lar. É na copa, é no quarto, é no banheiro...
Manhã destas
estava eu lá, feito flor, acomodadinho no vaso, meditabundo, quando senti um
horrendo fedor.
“Meu deus”,
assustei-me, “será que cheguei a tal estado de putrefação?” Foi quando, aliviado
(entenda como quiser, leitor), vi um monte de cocô exatamente onde piso ao
tomar banho.
O monte era de
tamanho exagerado, coisa típica de adolescente. Até no cheiro.
Recordo-me da viagem
de mudança que fiz com a família, de São Paulo para a Bahia, numa Kombi. Com
o motorista, eram onze pessoas e bagagem comprimindo-se no pouco espaço do
veículo. E um gato.
Quando chovia, e
chovia pra valer, éramos obrigados a fechar as janelas. A cada parada, tínhamos
que limpar bosta preta de gato. Ô tarefa ingrata.
Ficamos de tal forma
impregnados com a fedentina que passamos a não mais senti-la. No destino,
depois que retiramos os cacarecos da mudança, um dos filhos do dono do carro –
na casa de quem ficaríamos hospedados – foi fazer a limpeza.
A imagem de Moreninho
naquele instante está vívida em minha memória. Ele recuou, soprando
furiosamente pelas narinas. Repetia: “Fum-fum, fedor de macaco... fum-fum,
fedor de macaco...”
Fidel e... Ah, sim,
leitor, a gata ainda não tem nome. As meninas recusaram várias sugestões. Eu,
timidamente, dei o meu palpite: “Por que não Fidelina?”
Fui acusado de ter
pouca imaginação.
Já que penso tanto
em La Spiller, poderia conseguir a aprovação do nome de
Letícia para a gata. Mas não sei. Não sei se seria uma homenagem ou uma
sacanagem.
A longilínea atriz me
dá a impressão de não ser tão cagona. Seria até uma brutalidade dizer que ela
caga.
Ih, não tenho e-mail.
Sabe, leitor, eu quis
dar uma de sofisticado, só de inveja de coleguinhas que anotam o e-mail ao pé
do texto (quando às vezes o dito cujo não tem nem cabeça).
Mas se ela, a
Spiller, me mandasse pelo menos uma boa e velha carta... Fico no aguardo.
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, n.º 100,
6/6/1999)