quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Hamiltão contesta a “geometria” de Manuel Bandeira. Depois, quer provar que não existem pontos cegos, a não ser que...


Triângulos imperfeitos


Assim de memória é meio difícil, uma memória gasta pelo tempo. Mas vá lá.

Se não me falha a dita, poeminha de Manuel Bandeira fala de um tal de “isósceles perfeito”. O homem se dizia alumbrado com as entrepernas de determinada mulher.

Já aqui o infiel leitor percebe que não vou mexer em assunto de triângulos amorosos, se bem que...

Estou quase inclinado a acreditar que o velho Bandeira foi virgem a vida inteira, com toda aquela estrela e tudo o mais. Nunca saboreou, como dizia meu pai, um queijinho do céu.

Isósceles perfeito... Se fosse triângulo assim, uma xoxota nunca seria uma xoxota. Seria uma redundância. Não existe um modelo, um padrão.

Quem viu uma não viu todas, nos seus mais variados aspectos e, digamos, odores, embora este último atributo não faça parte da geometria, se é de geometria que estamos tratando neste privilegiado espaço.

O poeta deve ter conhecido xandanga só por meio de gravura da Idade Média, daquelas que mostram um triangulozinho abaixo do ponto umbilical.

Nunca teve a felicidade de “ler” a revista Hustler, ou mesmo a caretíssima Playboy. Ver ao vivo, então, nem se fala.

Ah, leitor pornográfico, já eu tive meus reais alumbramentos. É claro que não estou falando apenas do saudável esporte do voyeurismo. Isto não conta.

Falo da visão que, subitamente, o garoto tem quando menininha (ou a mãe dela) dá uma odorífica cruzada de pernas. Mesmo agasalhada numa calçola, ô coisa boa de ver.

Nós, os machos convictos, somos voyeurs acidentais por toda a vida. Estamos sempre alertas. Já o esporte conscientemente praticado é uma coisa meio sacana. Só não digo totalmente sacana porque não gosto de “absolutizar”.

Esse negócio de invadir privacidade é imoral. Deixa de sê-lo, no entanto, quando há justa motivação. E se ninguém ficar sabendo.

O flagrante. Isto é o que mata. E mostra o pau.

Sujeitinho estrategicamente colocado diante de um buraco, em êxtase, e de repente surge o desmancha-prazeres...

Eu ali, agachado. Lembro bem. A visitante tomando banho e eu ali, de olho na brecha. Da porta. Ah, é claro, leitor de obviedades, é claro que além da porta também havia brecha.

Quando ela apareceu lá em casa, vinda de não sei que Estado, completamente vestida, como todo mundo deve viajar, ninguém poderia imaginar o que ela tinha por baixo dos panos.

A brecha da porta era pouco acima do chão. A moça, de cócoras, com lata na mão, tirava água de um balde e a despejava naquela maravilhosa nudez. A bunda, virada para a minha cara, não tinha nada de triangular.

Foi o alumbramento que Bandeira jamais tivera.

Aí, uma sombra. Acima da sombra, a cara tempestuosa de minha irmã mais velha, mãos em garra.

O talentoso voyeur tem um verdadeiro faro para encontrar buraco. Fosse jogador de golfe, não errava tacada.

Se o taradinho muda de casa, faz a vistoria logo que chega. Descobre furos e frinchas, camufla uns pontos e outros, testa a iluminação, retira pedacinhos de estuque... Antes de tudo, porém, procura descobrir quem mora de cá e de lá.

O diabo é o instinto feminino. Existem fêmeas que sentem quando são lambidas por olhos escusos. A sorte dos pequenos pervertidos é que existe mulher que, ao se saber sob mira, não conta para ninguém, muito menos – ufa – para o sanhudo marido.

Pena que isso seja raridade.

Em certa ocasião uma portadora de vulva (vulva legítima, claro), levantando aura sensualíssima, entrou no banheiro. Dei o tempo necessário para ela se desvestir.

Momentos supremos de volúpia.

Sutilmente me aproximo da porta e procuro o foco. Nada. Escuro. Um escuro macio, molhado. Um escuro que me olha...

Ficamos um tempo ali, pupila a pupila. Como que rompendo amarras, afastei-me da porta e fui dar um passeio para me preparar para as consequências. Não houve consequências.

Quando se trata de casos assim, minha memória não falha.


Hamilton Carvalho

(Gazeta de Goiás, nº 75, 13/12/1998)

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