Vendeu a mulher e levou calote
Há quem pense que sou mais errado que relógio público
É preciso reconhecer que o brasileiro foi à terra do haraquiri para ganhar a vida e não para ganhar a mulher de Eizo. (Devo esclarecer que haraquiri não é prato muito recomendável para o estômago.)
Talvez Adriano tenha ido para o Japão para isso mesmo, matar aquela velha curiosidade da verticalidade ou horizontalidade da cona oriental. Foi quando ele, terceiro-mundão, deu de cara com o mundo civilizado. Em crise, mas civilizado.
Matou a curiosidade e não morreu. Mas, se fosse aqui, coitado. Botar chifre por estas bandas é correr risco de vida. Ainda mais por acochambrar fêmea já com certa quilometragem e duas filhas, como a mulher do Eizão.
Mas o adepto do haraquiri não recorreu ao sabre nem para inovar no bucho do brasileiro. Não sei o que equivale a chifre em japonês, mas quando o corno descobriu que a dita coisa florescia em sua cabeça exigiu que o decasségui lhe pagasse 5 milhões de ienes (US$ 35 mil).
Isso é que é sociedade avançada. Os decadentes somos nós, espiritual leitor, que deixamos o dinheiro em segundo, terceiro ou quarto plano. O amor não tem preço, a amada é objeto não-negociável...
Ops! É por causa de deslizes como este que já andaram acusando o cronistazinho aqui de machista.
A amada não é objeto, embora às vezes nos use como objeto de prazer. Pode não ser vendida, mas é bom não facilitar, porque a desgramada quando quer dar para outro não há reza antichifre que impeça.
O Eizão está certo. Neguinho fez da gente carregador de chifre, tem de pagar o frete. Só que a coisa não foi tão simples como o japão esperava. Ele não contou com um detalhe. Adriano é um bom brasileiro e, como tal, quis aplicar o calote.
Eizo ficou mais amarelo e acionou a Justiça. Quer indenização. Mas também é espertinho: pegou a mulher de volta. Corno com tanta desenvoltura só mesmo no Primeiro Mundo.
Entre o Primeiro Mundo e o Terceiro há um abismo, principalmente depois que acabaram com o mundo do meio. (A história da humanidade está parecendo trem cargueiro do Paraguai, que tem somente a primeira e a terceira classes para os passageiros – e elas são quase a mesma bosta.)
Acontece que Adriano, o aplicador de chifre e de calote, é mero decasségui, trabalhador mais que explorado, humilhado e discriminado. O povinho antípoda não é de brincadeira.
No trabalho, por exemplo, brasileiro pega no pesado e tem direito a ir ao banheiro uma vezinha só. O carinha tem que analisar a situação e optar: cagar ou mijar? O ideal seria fazer tudo de uma vez, mas a natureza tem suas manhas.
Não há como não me solidarizar com Adriano, pois o encorneado japonês, além de querer pagamento à vista por Kayo, a mulher, ainda exigiu que o brasileiro levasse junto a descendência dele.
Fingir gostar de filho de mulher que a gente vem traçando dá uma sensação desagradável, ainda mais quando o que se sente é uma vontade danada de aplicar uns cascudos no empata-foda.
Adriano não foi buscar Kayo e as meninas. Está sendo processado. Como a ilha é terrinha civilizada, nenhum advogado quis pegar a causa do moço.
Todos os advogados consultados deram uma de juiz e disseram que ele estava errado e tinha de ser condenado. Vai ver que eram um monte de cornos invejosos.
Temos de reconhecer, no entanto, que japonês gosta de tudo feito com categoria. O Eizão sentiu-se ludibriado, pois até já havia preparado a mão de obra: ensinara Adriano a trocar fralda.
Marco em cima as mulheres que me apetecem, mas marco certinho.
Hamilton Carvalho