Uma reportagem
A dona de casa Maria da Conceitão Taveiras, 22 anos [repórter tem autorização para registrar idade de mulher até esse número], diz que começou de fato a gozar na vida depois que conheceu Mansur Abdala da Silva, 73, ex-orelha-seca da Encol e hoje empresário bem-sucedido do ramo da pedofilia internética. “Eu era bobinha de tudo, e só me masturbava com o calcanhar melado de Vick Vaporub”, declara ela, afirmando que isso era a garantia de que não romperia o hímen com a ponta excitada de um dedo.
Silva, conhecido como “Badalão”, teria iniciado a mulher no sutra do sexo de cabo a rabo, fazendo-a vencer os tabus impostos pelos pais. “Eles me cercavam de todos os lados e não deixavam entrar nada em minha cabeça, nem em qualquer outra parte do corpo.”
O casal recebeu a equipe de reportagem em solarenga mansão da Vila Finsocial. [A equipe, no momento, consiste no repórter e no fotógrafo, porque o motorista está no bar da esquina a fazer aquilo de que mais gosta: comer.] Foi servido um cafezinho com cara de recuo de bola [o repórter fora goleiro de futebol] e uns pãezinhos de-quê. Badalão – com a intimidade permitida – ofereceu deliciosa pinguinha com gosto de madrugada desfeita, prontamente recusada: a equipe se encontrava em serviço.
Badalão diz que, quando conheceu Ceitão – apelido carinhoso de Maria da Conceitão –, ela era virgem e recatada, e ele teve de usar de toda a sua oralidade para convencê-la de que o orgasmo precisava ser totalmente liberado. “Hoje”, diz com orgulho, “ela dá pra todo mundo, pois compreende claramente que fidelidade é um conceito ultrapassado.”
A essa altura o homem, com aquela modéstia de que somente os grandes são capazes, pediu licença e saiu para “enxugar a varinha”. Ceitão, já de flerte com o fotógrafo que tem nome de poeta depravado, disse que, na verdade, o marido não passava de um “corno manso” com aquela “pose ridícula” de liberal.
Indagada a respeito de Camille Paglia, garantiu que achava a escritora “muito primária”, dizendo preferir as ideias da protofeminista Betty Friedan. “Com aquele jeitão de Brucutu e caldo grosso, ela liberou a fantasia de muitas mulheres”, afirmou, sonhadora, como se quisera ter vivido naqueles bons tempos de sutiãs queimados.
Sacudido, Badalão voltou da privada e se aconchegou ao lado da mulher. Como teria conseguido vencer a resistência dos pais de Ceitão? Não eram eles tão puritanos e preconceituosos a ponto de não admitir sequer a ideia de casamento da filha? Badalão é objetivo: “Comprei para o velho uma máquina de moer cana, e ele agora se sente muito feliz como empresário da garapa.”
“Ah”, suspira Ceitão, “e isso foi muito bom para abrir a mente dele, já que o carrinho do pápi fica num ponto perto do puteiro.” Para ela, a convivência com as piranhas tem transformado a vida dele em “uma verdadeira roda-viva sexual”. “A mâmi se sente aliviada”, pondera.
Ao ser perguntada se participa ou participou de algum movimento feminista, Ceitão admite que certa vez se sentira atraída por um movimento. “Por causa do nome, sabe?” Mas, apesar de o nome ser Ganas do Corpo, “ninguém ali transava com ninguém”. Desistiu já na primeira reunião do grupo. “Foi uma tristeza ficar ouvindo aquela ximbicaria falar mal dos homens.”
[Nesse ponto o repórter se lembra de que a pauta é sobre o Dia das Mães, e o motorista já deve estar ao volante do carro – estacionado nos amplos jardins da mansão – a fazer a segunda coisa de que mais gosta: desmelecar as cavidades nasais.]
Ceitão é incisiva quanto a seus planos para o futuro. Pretende ter muitos filhos? A esta pergunta ela se retrai e deixa um pouco de lado a exuberante simpatia. “Filhos?” Levanta-se, como a dar a entrevista por encerrada, e ergue os braços com ênfase: “Coisa mais brega, isso de ser mãe.”
[A equipe de reportagem corre para o carro, cônscia de que, àquela altura, o motorista está aflito para fazer a terceira coisa de que mais gosta: cagar. Mas o repórter ainda ouve, vindo do interior da casa: “E me faça o favor de não começar a matéria com o gasto diapasão: ‘A dona de casa Fulana de Tal...’”]
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 196, 13/5/2001)