quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Erupção vulcânica em boleia de caminhonete atira lavas no lombo de pobre animal...


Cavalgadura

O cantor Nelson Ned – que depois passaria a prestar inestimáveis serviços à máfia cubana de Miami – fazia sucesso: “Só se encontra a felicidade / Quando se entrega o coração”.
Taí. Maria O. não leu o meu cardiograma. Aliás, nem eu. Porque nada justificava aquela paixão forçada pela professora de inglês. Não era por ela que eu descabelava o palhaço.
Os traços da realidade estavam na palma da mão. Cozinhei muito esperma na água do banho, e a visão que me cegava tinha a estupenda ossatura e a morena carnadura de Maria O.
Ah, leitor, vivo a reprisar teipes desta vida cambaia.
Maria O. se mudou com a tia, o primo e a mulher do primo para o centro da cidade. Apareci por lá umas duas vezes, a pretexto de visitar antigos vizinhos.
Não tenho a menor dúvida de que minha família suspeitou de algo, já que nunca fui – nem sou – de fazer visitinhas. A não ser que haja xoxota à vista.
A situação estava difícil. Para beijar Maria O., uma vez tive que cercá-la em um ponto cego da pequena casa, uma soleira. Quem estivesse no quarto poderia ver no máximo uma ponta da bundinha dela; quem estivesse na sala não poderia ver coisa nenhuma.
Aí, leitor, injunções da vida, ah, injunções desta vida cambaia... Tempos depois eu a encontraria em rua movimentada, sob o sol brilhante da tarde. Ela estava com uma amiga. Foi cortês – e só.
Nem parecia que havíamos cavalgado juntos, em álacre intimidade, na chácara a que fomos duas ou três de minhas irmãs, Maria O., o primo dela, a mulher do primo e eu, amontoados na carroceria de uma caminhonete. Minha mãe e a tia da garota viajaram na cabine.
Lá (onde Maria O. havia morado antes de ir estudar na cidade), Nelson Ned berrava pelo alto-falante da vitrola portátil.
Ah, era daqueles lugares em que todos os apetites se aguçam. As pessoas comem bem, há frutas, frango, lábios com sumo de jabuticaba.
Depois do almoço, aproveitando-me da leseira que se abatera sobre os mais velhos, fui para a caminhonete, arrastando Maria O. com um olhar.
Sentei ao volante e esperei. Daí a pouquinho, a porta do lado do passageiro se abriu e Maria O. entrou, esticando aqueles pernões compridos. Estava descalça. Tirei as Havaianas e pousei o pé direito no acelerador.
Meu deusim do céu... mas meu deusim do céu... Ela, com tremor na voz, murmurou, pondo em mim os lucilantes olhos castanhos: “Me ensina a dirigir.” Eu...
Ora, leitor detalhista. É claro que me lembro de haver dito, em crônica anterior, que a moça tinha olhos negros. E daí? Por que uma coisinha assim tem que interferir no fluxo da narração? Ora.
Ficamos um tempão naquela cabine quente, eu a ensiná-la a “dirigir” com o carro parado, nossos pés a se misturar com acelerador, freio e embreagem, misturando-se uns aos outros, as mãos apertando-se umas às outras no volante.
“Vamos montar”, ela disse, de repente. Hein? Abriu a porta e chamou: “Vem.” Saiu correndo para a manga e voltou a puxar um cavalo pelo cabresto. Ágil e bela, bela e ágil, com as longas pernas, saltou para o animal. “Vem.”
Com dificuldade, apoiando-me numa cerca, pulei para a garupa. Não havia cela. Minha bunda escorregou pelo lombo do animal, e o baixo-ventre, irresistivelmente, foi-se apoiar no traseirinho dela. Meu deusim do céu...
Saímos a cavalgar maciamente, a embrenhar-nos pelas veredas. Por mais medroso que fosse, eu não tinha como segurar aquela tesão. Agarrava a garota pela barriguinha, o pau atrás dela mais duro que couraça de extintor de incêndio. Ai. Estava quase babando.
Ela fez o animal parar. Pediu que trocássemos de posição. Balbuciei alegando que não sabia guiar cavalo. “Não tem importância, eu guio”, disse a mocinha saltando para o chão. Deixei-me escorregar para a frente, enquanto ela, pernões lindos à mostra, se acomodava na garupa.
Aquele vestidinho amarelo de algodão, soltinho... As pernas morenas, uma de cada lado de meu corpo trêmulo... Ela segurou as rédeas, enlaçando-me por trás. E fomos, e fomos, o baixo-ventre dela coladinho em mim.
Meu deus. Maria O. estava ficando mais ousada do que eu. Respirava forte, com o queixo em meu ombro esquerdo. Só de imaginar o pinguelinho dela...
Quando voltamos, lá estava novamente Nelson Ned saindo pelo alto-falante da vitrola portátil: “... que tudo passa, tudo passará...”
Antes que me esqueça: o título desta crônica é uma homenagem que me faço.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº  185, 25/2/2001)

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