Ah, casa paterna...
Não lembro o ano em que a mulher pegou as meninas e as mochilas e se mandou. Só me lembro do dia e do mês: 8, março. Dia Internacional da Mulher. (Eh mulherzinha radical...)
Minhas filhas voltaram a morar comigo. Meu refúgio na Ladeira do Vento, de um dia para outro, foi tomado por uma turma da pesada: Elza, Lígia, Zeca e Cisco Kid.
O quarteto foi recebido pelo viúvo Fidel e por mim. Fidel fora trazido para casa pelas meninas, tempos atrás, juntamente com a gata Letícia, que mais tarde seria assassinada, com os quatro filhotes, pelo cachorro do vizinho, um dobermann.
Fidel não gostou nada dos novos hóspedes. Dou-lhe certa razão. Não se pode chamá-lo de gato ranzinza, como às vezes me chamam a mim. Tanto o cocker spaniel Zeca quanto o gato mestiço (?) Cisco Kid são sempre importunos, “infantis” e bagunceiros.
São como colaços: têm praticamente a mesma idade, vivem se pegando em brincadeiras pesadas e se lambem e se cheiram. O maduro Fidel colocou-os na geladeira, não lhes dá a mínima bola e evita qualquer assédio amistoso por parte deles, principalmente do cachorro.
Aliás, coitado do Fidel. Nos primeiros dias, despeitado, andou sumido no mundo. Fiquei preocupado. Ei-lo de volta: magro, encardido, de cara amarrada, como quem faz grande concessão.
Zeca, quando chegou a casa, apesar de bem alimentado com ração, comia tudo o que calhasse: ponta de cigarro acesa, sabão, planta ornamental. Mas tinha preferência especial pelas minhas meias sujas e pelas correias das Havaianas de meu banho.
Além de adorar colocar a cabeça de Cisco na boca e sacudir, ou prender nos dentes uma perna, uma orelha ou o rabo do gatinho masoquista e arrastá-lo pela casa, Zeca tem um prazer cruel: borrar a calça que acabei de vestir. Ao sentir, lá do enlameado quintal, que me preparo para sair, vem aos saltos fazer “festa” (é como se me quisesse longe de casa, o merdinha.)
Já o Cisco Kid tem um gostinho muito do sacana. Quando fica sabendo que cheguei do trabalho, tirei os sapatos e me deitei no sofá, estendendo os pernões cansados, o miseravelzinho surge não sei de onde e passa a me roer os dedões.
A expectativa agora é quanto a Tina. A gatinha, cujo nome ainda é dúvida, foi encontrada em rua da Vila Nova, assim como Cisco Kid. Por enquanto, a mãe das meninas está cuidando dela, mas, como diria a última loira do tchã, “o destino da pessoa é predestinado”.
O retorno das meninas muda a minha vida. Paínho tem de comer na hora certa (já ganhei quilinhos), arrumar o quarto (ah, saudosa bagunça...), não demorar tanto no banho (“parece que vai casar”). Cortaram até o sal de minha maçãzinha brasileira.
Quanto à despesa... O leitor sabe que não sou mesquinho, e não reclamo. É claro que, a esta altura, elas estão bem carinhas. Cursinho, universidade, shows de Zeca Baleiro, cinema. Elas são a minha alegria; não me queixo de nada.
Fora a aporrinhação permanente dos animais, apenas uma coisa me deixa deveras chateado. É não mais poder passear pela casa trajando apenas óculos.
Mochilas e meninas de volta. Só me resta reaprender a conviver e a compartir.
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 187, 11/3/2001)