quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O autor não explora as contradições, não situa historicamente o leitor e dá a impressão de pensar só em besteiras


Anfóteros


Já falei aqui de certa mocinha do meu pedaço que dizia ter dupla personalidade por causa do nome que lhe deram, mais para de macho do que para de fêmea.

Na ocasião, usei palavras demais. Bastava uma só – o que, na verdade, não seria bom, pois a crônica não se faria. (O assíduo leitor já deve ter chegado à conclusão de que minhas crônicas se fazem, que as palavras é que me arrastam pelos labirintos de mim.)

Logo que o guru Itamar Franco epitetou o “sociólongo” Fernando Henrique Cardoso de anfótero fiquei a me imaginar nos braços da moça eu a sussurrar com voz cava: “Minha anfoterazinha...”

Ora, não, não. Ela não é propriamente uma anfótera. O que ocorria (ou ocorre) com a jovem era (ou é) a alternância de estados d’alma. (Que beleza, hein? Tadim do Zé de Alencar...)

Ela não era, digamos, ambisséxua, embora dissesse que uma das “personalidades” dela pretendia fazer uma “experiência homossexual”. Com sujeitinho que havia feito mudança de sexo porque tinha nome mais para de fêmea do que para de macho.

Aliás, a mocinha gosta de experimentar. Domingo destes eu a encontrei na feira e ela disse que adorava conversar comigo, mas queria me experimentar também de outra forma. “Acho que você é muito bom”, disse, com aquela vozinha rouca, semicerrando os olhos.

Claro, sexo não é o caso aqui, ao se falar do sociólongo apresidentado. Suponhamos que ele seja progressista quando dorme, sonhando sem querer com o passado que não se deixa esquecer, e pefelista quando executa (não no sentido bolsonarista) o pesadelo dos brasileiros, que não conseguem acordar.

Que dizer, então, de Itamar Franco? O encanecido topetudo tornou-se meu ídolo quando apareceu com aquela modelo que focalizava a multidão carnavalesca com a vasta xandanga. Coisa de encher os olhos (e as mãos).

Apesar do jeitinho meio libelu (você, leitor longevo, deve lembrar-se dos pentelhos da tendência estudantil trotskista Liberdade e Luta), apesar do jeitinho porra-débil (porra-louca não combina com as cãs do ínclito senhor), ele é macho público e notório.

Mas é anfótero, também. Tem aquela mineiridade baiana, à ACM. Explude como Figueiredo e, como Figueiredo naquele programa besta com o jornalista puxativo Ney Gonçalves Dias, derrete-se em patetiquices.

Em determinadas circunstâncias, uma qualidade se sobrepõe à outra, o que acontece em coleguinha de pé de balcão.

Ele é macho pra caramba, e faz questão de declarar isso a todo momento, com voz firme. A todo momento até que o álcool começa a puxar o lado sensível dele lá do fundo, e ele então vai espaçando a declaração de virilidade.

A certa altura, quando se lembra e diz “Sou macho”, a coisa já soa sem convicção. Dá até a impressão de afirmar o contrário.

É emocionante observar como, com toda aquela cara feia de bandido, o homem é capaz de ficar tão delicado, com voz aflautada, melíflua, e corpão atarracado cheio de requebros.

Existe um baixinho que circula pela minha zona de abrangência que igualmente se diz “mutcho matcho”. Conta elaboradas histórias dando conta de que já bateu e botou para correr muito negão da pesada.

Com mão enorme e áspera, o baixinho agarra o copo, ao fim de cada caso, entorna e proclama: “Comigo é assim.”

Acontece que, lá pelas tantas, com o nível das águas bem acima do cerebelo, o mocinho radicaliza por demais: começa a pegar, abraçar e esfregar em macho que estiver por perto.

É daqueles (o leitor se lembra?) que a todo momento e a qualquer pretexto querem apertar a mão da gente – e muito demoradamente. Quando bebe então... a coisa vai para o gravíssimo. O sujeitinho chega a alisar a mão da vítima, com volúpia.

Anfóteros... Sei lá que diabo é isso.


Hamilton Carvalho

(Gazeta de Goiás, nº 129, 16/1/2000)

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