Uma coitada saborosa
O feriadão ficou para trás, graças. Que finzão de semana pesado, ó meu. Terrível. Depois de passar a Semana Santa sem bacalhau, pensei que ia malhar com a vara no Sábado de Aleluia.
Não malhei nada. Me
deixaram na mão, na própria, pura e simplesmente.
Digamos que, claro,
houve uma espécie de malhação. Mas faltou alguma coisa. A coisa.
Comecei a desconfiar que Onã era um cara assim meio que triste.
Não, não era triste.
Pelo menos não como eu, no feriadão. O danado do Onã tinha o seu bacalhauzinho.
O que ele fazia era conceder somente as honras finais à palma
da mão.
Mas interrompamos
este papo sobre coitus interruptus ou outras incompletudes.
Falemos de determinado sábado de aleluia de um amigo.
Quase todos os que o
conhecem o chamam de Veím. Eu o chamo pelo nome de batismo, que vai ficar fora desta
croniquetazinha desclassificada.
Conheci Veím em
meados da década de 1980, um jovem muito pequeno, macérrimo, de pele enrugada. Na
primeira vez em que o vi, no então boteco do Florim, ele estava bebendo, de um
só gole, um copo d’água. Água? Aquilo era pinga da pura.
Naquela época, ele
emborcava seguidamente vários copos transbordantes, sem tirar sequer uma ruga
do lugar. Hoje, quando o vejo tomar uma dose “normal” (a generosa dose goiana),
fico preocupado: parece que não anda bem de saúde.
Com sua voz grave,
entrecortada pelo risão alegre, Veím me conta de como gostava de fazer o seu
sábado de aleluia.
A festa era em torno
de galinha em molho que só cachaceiro sabe preparar. E a galinha, para ser
gostosa mesmo, tinha que vir de algum quintal das redondezas. O crescimento
dela era acompanhado desde a mais tenra “infância” por olhos cobiçosos.
Esse negócio de
cobiçar a galinha do próximo...
A coitada era caçada
à noite, sem a devida permissão, no terreiro de algum conhecido. Crime
altamente premeditado.
Por falar em tal
coitada, talvez seja preciso esclarecer: a palavra não é derivada de coito.
Portanto, tire da cabeça aquilo de “Vou dar uma coitada”.
A coitada aqui vem de
coitar, ou seja, causar coita, pena. Vale esclarecer, ainda, que tal pena não
tem nada a ver com a do galináceo surrupiado na noite do Sábado de Aleluia.
Para evitar que a ave
abrisse o bico e denunciasse o próprio rapto, ela era executada sumariamente,
ali mesmo no quintal. Veím e o parceiro aproximavam-se do poleiro e a
“abafavam” com a camisa, enquanto ela, naturalmente, dormia o sono dos sustos.
Aí, torciam o pescoço
da (mais uma vez e mais que nunca) coitada. Fugiam sob o alarido dos outros
galináceos, mas já tarde demais para eventual resgate.
Foi depois de uma
operação dessas que Veím e amigo tentaram depenar uma penosa. Serviço muito mal
feito, já que eles estavam excitados, sôfregos, cada qual com a caveira
chacoalhando canjebrina.
Para facilitar as
coisas para ambos, Veím socou a defunta semidescascada debaixo do braço e
marchou, seguido pelo cambaleante parceiro, para um boteco ali mesmo no pedaço.
A dissecação e o preparo exigiam mãos sóbrias de mestre.
Uma espécie de
receptação. O dono do bar preparou a galinha com capricho e participou, feliz,
do banquete. Em troca, serviu pinga à vontade aos amigos.
Veím me aponta o
lugar: “A venda era ali e Fulano (o dono) morava nos fundos,
onde criava galinhas.”
Como vê, leitor
perspicaz, foi um grande sábado de aleluia para o meu amigo. Não poderia ter
sido mais saboroso.
O mesmo não posso dizer
dos meus sábados, de aleluia ou não. No de Aleluia que passou, por exemplo, não
malhei nada. Não abafei nem mesmo galinha daquelas do rabo branco, as que mais
dão sopa.
Já pensou,
gastronômico leitor, que insuspeito ensopado não daria aquelazinha que trepa no
poleiro alheio bem pertinho de você?
Um alheio tão
alheio...
(Gazeta de Goiás, n.º 92, 11/4/1999)
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