Agalmatofílico ou agalmatoerasta?
Ao
dar de cara com a pergunta, o leitor há de sentir-se desestimulado. Afinal de
contas, você quer respostas ou afirmações peremptórias para estar confortável
no mundo. Então vá para o Google, caralho!
Ando impaciente, sei disso. É a porra da
abstinência sexual, só pode. Quem aqui acompanha meus trôpegos passos desde os
primeiros textos deve lembrar-se de que a tensão sexual me fez afirmar, certa
vez, que até manequim de porta de loja me excitava. Referia-me, naturalmente, a
manequins moldados em corpo feminino.
Agora é assim, e não é bem assim.
A caminho do trabalho, conforme a linha do ônibus
que primeiro me aparece, passo por lojas que vendem manequins. Ficam expostos
na calçada, ao sol, à chuva, à fuligem. Hoje são largamente usados nas barracas
de roupa da Feira Hippie, e é comum ver algum deles amarrado sobre capota de
Kombi feito lívido e obsceno cadáver, em tarde de domingo, finda a feira.
Naquela estreita e sinuosa avenida, os bonecos não
são – é preciso reconhecer – propriamente atraentes. À vezes, dependendo do meu
humor, lembram personagens de livro que fui forçado a ler: Incidente em
Antares, de Érico Veríssimo.
Multidão de homens, mulheres e adolescentes de
plástico azulado, amarelado, esverdeado, ou sob a tentativa de cor de pele,
evidentemente pele de branco bronzeada. Pelos traços “caucasianos” (como dizem
pessoas complacentes dos Estados Unidos da América), não há lugar ali para
“afrodescendentes”.
Por outro lado, ou por outra razão, vejo atrativo
em determinados manequins que representam o corpo feminino, em oposição à
repulsa que me causam os que representam o corpo masculino, que, aliás, não
devem despertar a inveja do pênis nas mulheres. (O dito talvez ficasse melhor
assim: não devem despertar nas mulheres a inveja do pênis.)
Há bonecas que revelam claramente que foram
modeladas em gostosíssimas garotas de bundinha arrebitada. Domingo destes, na
Feira Hippie... Ruborizado confesso, ínclito leitor, que ao deparar com uma
delas que, de costas para mim, envergava uma malhazinha das mais finas, tive
vontade de lhe passar a mão na bunda. (Talvez ficasse melhor assim: passar
a mão na bunda dela.)
Ah, eu não poderia esquecer: existem manequins que
representam mulheres grávidas. O leitor já sabe de minha carinhosa tesão por
mulher grávida, o que não é bem aquela gentileza de oferecer o banco no ônibus,
coisa que as mulheres, todas, já nasceram merecendo.
Interessante. Houve tempo em que era comum, em
lotação, homem oferecer o banco para uma dama se sentar, independentemente do
estado ou da idade dela. Atualmente os ônibus urbanos têm bancos vermelhos
reservados para velhos, grávidas e deficientes físicos. Mas a moçada não está
nem aí. Robustos garotões e garotonas cravam o traseiro no assento vermelho e,
como diria o cantor Luan Santana, “qui xi dânio mundo”.
Às vezes são os velhos que se recusam, como um
desaforo, sentar em banco vermelho, e passam duros para se acomodar em lugar de
gente “normal” ou se entregar à tortura potencializada de viajar em pé. Conheço
alguns.
Para mim, é incompreensível que jovens finjam
dormir ou admirar paisagem de concreto sujo para, assim, sair do desconforto da
presença de uma mulher velha ou grávida. Ou de alguém que começa a passar mal
durante o trajeto, como aconteceu comigo, quando vinha da casa de uma amiga,
depois de carregar uma noite profíqua e esgotante.
Moça caprichosa, aquela. Voraz, impetuosa,
exigente. Não me deu de-comer, nem antes nem depois de abusar de mim. Aí, no
ônibus, já sob o solão da tarde, me bateu uma zonzeira, uma moleza. Efeito
retardado, sei lá. Caí de cócoras entre as pernas que lotavam o corredor do
ônibus.
E – pasme, leitor – fui socorrido por – pasme – uma
mulher grávida, que me pegou pelos sovacos molhados de suor e me fez sentar no
banco que estivera a ocupar. Pelo tamanho do belo bucho envolto em pano
vermelho, deveria estar no oitavo mês gravidez.
Certo dia vi uma velha mal se segurando perto da
cabeça gelzada de um garoto de pescoço taurino e musculosos braços a jorrar da
camisa regata. Notei que ele, ao divisar a macróbia senhora que se aproximava,
jogou o queixo na direção do peito. Só faltou fingir que roncava. E foi então
que reparei num detalhe. Não era apenas uma velha; era uma velha grávida. O
sono tinha de ser, mesmo, muito pesado.
Ora, a esta altura sinto o comichar do leitor:
agalmatofílico ou agalmatoerasta?
Li em algum lugar que agalmatofilia é atração por
manequins, e agalmatoerastia também, só que com “conteúdo” sexual. Difícil
entender bem a diferença. Por analogia com a definição do dicionário Aurélio para
pedófilo – aquele que gosta de crianças (pelo menos é assim que está na edição
que tenho) – eu estaria mais para agalmatofílico, mesmo porque jamais teria a
propensão de arranhar a sensibilíssima glande em algo de plástico, ainda que
(suponho) macia boneca inflável.
Espero que o leitor não me coloque no dilema:
pedófilo ou pedoerasta?
Há algo inconfesso nesses escritos... o que é só o dono pode dizer, contudo que tem alguma coisa, ah isso tem!
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