quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Hamiltão implica com os mais puros sentimentos alheios, e ainda quer servir de exemplo...


Um tiquinho de amor

O velho... ahn... O idoso... Não, não. Não sei que expressão usar para falar de sujeito que já bateu avançada quilometragem. Nos tempos atuais, costuma-se ser mais elegante: “portador” de terceira idade, ou de melhor idade.
Já pensou, leitor de bom gosto, com que apetite você devoraria um livro chamado O Homem da Terceira Idade e o Mar? Já pensou com que samaritânica sensação você leria a manchete: “Carreta velha atropela mulher de melhor idade”?
Quero falar aqui de um velho da terceira idade apaixonado, apaixonadíssimo. Com os cotovelos apoiados no balcão do bar, o encanecido senhor, com voz chorosa...
Ah, antes, e melhor: prestigiada coluna social registrou que, em Quirinópolis, cidade do rico sudoeste goiano, existe uma entidade, provavelmente “feminista”, cujo nome é Associação das Mocinhas de Ontem. A sigla não deixa dúvida: AMO.
Ativas, as velhinhas fizeram sucesso num encontro em Caldas Novas. Apesar de já estar entrando na fase do capim novo, este burro velho gostaria de estar lá, nem que fosse só para cozinhar os ovos nas águas famosas.
Choroso, cotovelos no balcão, mãos enfiadas nas cãs, o encarquilhado safado soltava no bafo de pinga as suas lamúrias de apaixonado: “Eu só queria um tiquinho de amor, mas aquela pessoa...” O nó na garganta travava a voz do desgraçado.
Tanta melosidade me causou espécie. (Causou espécie... Com expressões de tal quilate, ainda vou disputar cadeira na Academia Goiana de Letras com Erivaldo Néri, o Piolho.) [O sifunculado não é o mesmo da crônica “Uma noite do cacete”.]
Sob a rude aparência de homem curtido nas mais duras lides, ninguém poderia supor alma tão sentimental. “Ai, como dói... aquela pessoa...”
O velhão estava na maior fissura. Credo. Nem eu, nos meus tempos de Ester.
Ora, pô, paixão tão avassaladora só pega bem mesmo lá para os lados da adolescência. Há que envelhecer com galhardia. Mas tem gente parece que não sei.
Como as “mocinhas” de Quirinópolis, que insistem em conjugar o verbo amar na 1ª pessoa, o senhor de barba branca amava, e amava. E queria flexionar também a 2ª pessoa, aquela pessoa, com segurança: tu me amas. Nem que o amor viesse apenas num tiquinho.
Outro dia conheci “aquela pessoa”. É um garotão muito jovem, mas com panca de mulherengo. Apareceu lá no bar com dois amigos e “solicitou” do velho tobeiro três maços de cigarros e um litro de conhaque Domus.
Prontamente atendido, o amado deixou a veneranda figura escorada no balcão, desgrenhada e bêbada, e caiu no mundo com os amiguinhos. “Ai, Jesus”, suspirou o homem da terceira idade, a observar a silhueta querida que ganhava distância.

Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 141, 9/4/2000)

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