Meu amigo Resende não ficou de bubuia. A “estância” em que alugava quarto era alta, apoiada em compridas estacas de palafita.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Xérox amarelada entre papéis destinados ao lixo. O acaso premia o leitor
Meu amigo Resende não ficou de bubuia. A “estância” em que alugava quarto era alta, apoiada em compridas estacas de palafita.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Hamiltão vai à sapataria e implica com a solicitude do vendedor. É que ele não conseguia se alhear da presença “gostosa” de um grupo de garotas
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
O pândego leitor pode saltar esta crônica. Aqui só há sofrimento
Hamilton Carvalho
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Espera-se que o leitor tenha passado pelas duas crônicas anteriores. Aqui, o roteiro cinematográfico ganha ritmo de thriller
Um órgão quase público
A índia me esperava em uma sorveteria, nas proximidades do cinema. Já devia estar chupando o décimo picolé de farinha de mandioca.
Afinal, eu fizera longa viagem de ônibus, ida e volta, para levar a casa o filho da vizinha, com quem assistíramos, a contragosto, ao filme Um Homem Chamado Cavalo.
Romântico sempre fui – mas sozinho, zanzando na rede. Na hora de encarar a xana, vou com gana. Com rima ou sem rima, dou em cima.
Ao ver aquela coisura ali, picolezinho na boca, esperando por mim, nem cogitei convidá-la para romântico passeio. Ela, jovenzinha sem experiência, também não dava mostras de querer cozinhar o galo.
Andamos um pouco por ruas calçadas de pedras e boas intenções, conversando leve, com parcimônia, nada profundo. Não discutimos antropologia nem nomenclatura. Ela não perguntou se meu nome se escrevia com á, tampouco perguntei se o nome dela era com cá.
Navegamos um tantinho em nossos sonhos, caminhando lado a lado, juntinhos, ao crepúsculo, a alimentar com toques casuais a chama sensual de nossa carne juvenil.
Pegamos, então, o ônibus que nos levaria ao bairro em que ela morava. Bairro novo, afastadíssimo do centro da cidade. Aliás, era a segunda vez que eu bateria por ali.
A primeira vez foi por farra. Nossa, que farra. Lembro-me de um boteco cheio de cachaceiros, de um violão e de um tambaqui assado. Lembro-me de meu amigo Raimundo, que, com os olhos rasos d’água, arrancava fundo do peito a canção “O ébrio”.
Conheci Raimundo no navio, no percurso entre Belém e Manaus. Seu cartão de visita foi uma garrafa de pinga. O ébrio...
Sempre apaixonado, furtava poemas de minha pobre autoria para ofertá-los às mulheres, sinceramente emocionado, um brilho de lágrima em cada olho.
Ah, tempos.
Quando a mocinha e eu desembarcamos, já era noite. A caceta, mal guardada na cueca, me doía. Oh, tesão sublime.
Ao descer do veículo, fi-lo meio torto com receio de que o aríete, em ponto de arremesso, ameaçasse a integridade moral das pessoas.
Mas não havia perigo. Eu envergava camisão cor-de-rosa, bem na moda, que me chegava quase aos joelhos e reduzia o impacto visual do priapismo.
Só então me ocorreu questão elementar: onde trepar? Ela morava com os pais e os irmãozinhos, e eu não tinha grana para pagar táxi e motel.
Além disso, motel, meu irmão... Motel, até hoje, me provoca a sensação de estar cometendo ato ilícito, quando foder é sempre uma bênção dos deuses.
Um pé de muro. Olhei em torno tentando lobrigar um pé de muro. (Lobrigar? Meu deus, estou cada vez pior...)
Ah, meus históricos pés de muro. Empregadinha caía em meu terreiro, cabelinhos untados com óleo de cozinha, e eu a acochambrava contra muro protegido pelas sombras da noite.
O cheiro, ah, o cheiro do óleo de cozinha mal-refinado daqueles tempos... Até hoje, quando frito ovo, acorda-me tamanha saudade...
Não, não havia adequado pé de muro naquela praça. Dois bares jorrando luz, casas idênticas, bicicletas ancoradas, mas nada em que abrigar a véspera de um orgasmo.
A possibilidade mais viável era um prédio público, talvez escola, localizado no meio da praça. Um dos lados era mais escurinho, já que não era diretamente atingido pela iluminação dos botecos.
Aflitamente priapesco, conduzi a dama até junto da parede, onde havia estreito passeio.
Ela vestia jeans. Baixei-lhe o fecho ecler. Baixei o meu fecho ecler. O zé-da-garoa saltou. Vibrou. Procurou o rumo. Não deu.
Para achar jeito, ergui a pequena índia e a pousei na calçada. Melhorou, mais ainda estava difícil. O troncoso, atravessando dois zíperes e entre dois pares de dentição metálica, penava para dar com o caminho do céu daquela bocetinha.
Bruscamente, um carro para, faróis altos, e as portas se abrem. De cada lado um vulto enorme começa a nos insultar. “Caiam fora, seus safados, se não quiserem levar bala.”
O lanhado membro escorregou, tombou. A garota rapidamente recompôs a roupa e me puxou pelo braço, já que eu ficara ali, inerte, rola para fora, sem fazer nada. A sorte era que o camisão da moda ocultava a desalentadora figura.
Cheguei perto de saber (e sentir) o que realmente significa a expressão “órgão público”.
Fomos andando, ela e eu, trôpegos iluminados, em plena praça, então com inesperada e animada plateia. Parecia cena de filme sobre a Ku Klux Klan.
A cada passo, eu sentia pontadas. É que, no embalo, o zé-da-garoa, desacordado, era mordido pelo fecho ecler.
É, sentimental leitor... Não há paixão que resista ao aviltamento. Quer faze? Levei a garota para casa (a dela) e nos despedimos com silencioso aperto de mãos.
E pensar que tudo começou por eu ter tido que levar menino cabeçudo para assistir a um filme cujo título é Um Homem Chamado Cavalo...
Hamilton Carvalho
(Gazeta de Goiás, nº 81, 24/1/1999)