Na esquina
seguinte
Ao
meter a cara feia no estirão de dois quilômetros de avenida que leva à urna em
que consigno o voto de cidadão efêmero, sucedeu o de sempre desde que, há anos,
eu vira a estupenda morena na esquina seguinte.
Ah,
falando em eleição: nesta campanha, como em outras, candidatos imploravam ao
eleitor, à exaustão, “um voto de confiança” – expressão que se aplica bem a
certos elementos tortos. Ora, voto de confiança só se reserva a calhorda, a
quem cometeu safadeza e suplica, na maior cara de pau, mais uma oportunidade.
A
bronzeadíssima garota estava nua.
Asseguro,
correto leitor, que eu havia decidido não tocar neste assunto. A cada ano eleitoral,
tenho resistido a ele por uma questão de pudor. Sim: pudor. Não há por que
estranhar que tal sentimento se aloje em mim. (É bem verdade que até minha mãe
duvidaria disso.)
A
crônica em mente tinha já o comecinho: “O próspero negócio durou menos de uma semana.” É provável que eu haja ficado
com medo das dificuldades que o texto apresentaria, pois detesto conversa que
inclua morte.
Não, leitor azucrinante, não tenho o menor
escrúpulo em falar de nudez, ou mesmo em exibi-la – o que talvez venha desde o
porre dos 10 anos de idade, durante festa junina, quando minha mãe me tirou
toda a roupa e me deixou lá, no quarto apinhado de gente, a gritar o nome da
amada com o pauzinho em dolorido estado de ereção. Mas você já conhece a
história.
Sempre transitei pelado, sem nenhum problema,
da cama ao banheiro, ainda que aconteça de ele ficar na parte externa da casa,
como em Imperatriz, cidade deliciosamente despudorada e de muito calor do
Estado do Maranhão.
Bem. Naquele tempo foi um tanto diferente, já
que a apreciadora do langoroso desfilar não era eventual amada, e sim a
cozinheira contratada por meu pai, com quem eu trabalhava na Arrozeira Vale do
Tocantins, longe da mãe e dos irmãos.
Melenas
cacheadas ombros abaixo (nunca penteadas ou escovadas, porque impossível
fazê-lo), lá ia eu, peladão, a cruzar a cozinha rumo ao banheiro, e de lá voltando,
molhado e ainda peladão, a sacudir a majestosa cabeleira. E a rola, claro.
Neste
ponto, o leitor e eu precisamos de um entendimento.
Sim,
a mulher ficava chocada, virava-se para o fogão, tensa. No começo. Depois, soltava
estrondosa gargalhada. Com a rotina estabelecida, passou a me receber com,
digamos assim, certo deleite. Às vezes ela me detinha para que provasse a pontinha
de algum petisco que preparara. Não se espantava nem mesmo quando eu aparecia a
transportar, briosamente, a chamada ereção matinal, popularmente conhecida como
tesão de mijo.
Completamente
nu estava o belíssimo corpo da morena que andava com suprema elegância em
sentido contrário ao que eu fazia depois de votar. Isso foi na última esquina
antes de atingir a que dá início ao retão por onde encetara a caminhada para
a urna. Havia uma espécie de corredor polonês formado por cabos eleitorais
coloridos com bandeiras coloridas, acima do chão juncado de folhetos.
A
pele bronzeada daquela deusa (e só poderia ser a deusa dos loucos e dos inocentes,
a ostentar tanta e sublime formosura), a pele bronzeada trazia a marca do
biquíni e um pedacito triangular com nigérrimos pelos. Os lábios da moça distendiam-se
em inefável sorriso que, por certo, não era para mim.
Entende
agora, cético e malicioso leitor, o porquê do meu insuspeitado pudor? Não, não
entende, nunca entenderá. Da mesma forma que jamais saberá o que indivíduos
como eu são capazes de encontrar na próxima esquina.
Hamilton
Carvalho
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